Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

30.3.07

Desconstruindo Anjos - "Che Guevara"


“O revolucionário deve ser uma fria e selectiva máquina de matar” (Che Guevara, citado por jornal “La Época”, do Chile, 31 Jan 97)

Toda a mensagem repetida massivamente, entra para ficar na mente das massas, independentemente da sua autenticidade”. O dr.Goebbls, ministro da propaganda do Reich Alemão, sabia-o. Os publicitários aprenderam-no. A esquerda marxista utilizou-o exaustivamente, para promover as suas ideias e figuras.

Exemplos? Poderíamos ir buscar dezenas ou centenas de “clichés mentais” que de uma forma deturpada e nada rigorosa foram introduzidos na cabeças das pessoas, e ali passaram a residir para sempre. Desde um Jesus Cristo crucificado - que talvez até nem tivesse morrido dessa maneira; passando por um Einstein com uma cabeleira electrizada e a língua de fora, em pose de cientista excêntrico e pacífico, - mas que tomava posições políticas radicais, quando escrevia ao Presidente dos EUA a sugerir e recomendar a utilização da bomba atómica contra a Alemanha de Hitler; para fecho, escolho o ícone mais divulgado de todos: Ernesto Che Guevara, o revolucionário romântico dos posters, das T-shirt dos adolescentes feitas a partir da pintura feita pelo artista plástico norte-americano Jim Fitzpatrick, a figura-guia dos dissidentes de todo o mundo.

A igreja católica fabrica santos. A esquerda e o politicamente correcto fabricam ícones revolucionários. O mecanismo de devoção é o mesmo: aceitação acrítica, dogma, para uns, axioma para os outros. Todos crentes.

Todas as loas sobre Guevara já tiveram o seu momento, já foram ditas, escritas, dado lugar a filmes de propaganda com motocicletas e tudo o mais que se sabe. Disso se encarregaram os fabricantes e fãs do mito. Há algo mais? Há! Há um Ernesto Guevara menos conhecido. Braço direito de Fidel Castro de quem foi, após o triunfo da revolução, um dos principais dirigentes do novo estado cubano: Embaixador, Presidente do Banco Nacional, Ministro da Indústria. Uma enorme concentração de poder.

Fidel tinha uma filha, Alina. Dá uma entrevista a propósito da fuga do pai, da ilha-prisão onde estava detido às ordens de Fulgêncio Batista. Recorda acontecimentos, personagens. O jornalista (cubano) a dado momento pergunta-lhe respeitoso: - “E Che Guevara? Conheceu-o?”
A jovem olhou-o e respondeu com naturalidade ao empalidecido jornalista: - “Sim, eu era muito pequena, mas lembro-me bem de Ernesto… aparecia muito lá em casa… era ele e Raul (Castro) que tratavam dos fuzilamentos…

Na mente daquela rapariga que descobria a sociedade fora da ilha, a imagem gravada do “libertador” era a do fanático ministro dos primeiros tempos do castrismo: o homem que tratava dos fuzilamentos, o assassino dos anos negros do “paredón” para os inimigos da revolução, levados às centenas e aos milhares, quando ela era menina e os pais habitavam os palácios do poder.

A filha de Fidel desconhecia visivelmente o que as agências de propaganda tinham entretanto feito de Ernesto: uma imagem viva do Cristo: redentor dos povos, mártir da tirania e da opressão – quanto andava a tentar reproduzir noutros locais o que já experimentara em Cuba.

Tem credibilidade esta “imagem alternativa” de Che Guevara? – “A vida real de Che Guevara é muito diferente da crença popular”, - explica Álvaro Vargas Llosa, assistente sénior do Independent Institute de Boston e autor do livro “Liberdade. Para A América Latina”. “É bom que se diga que muitas pessoas que agora vestem as T-shirts radicais e chiques com a imagem de Che Guevara são contra a pena de morte, mas Guevara serviu de carrasco para Castro, como o próprio Guevara admitiu em alguns trechos de seu diário”.

Na véspera do dia da vitória da revolução, Guevara ordenou a execução de algumas dezenas de pessoas em Santa Clara, região central de Cuba, de acordo com Jaime Costa Vázquez um ex-comandante do exército revolucionário cubano.
Mas a sede de matar de Che Guevara só foi atingir seu auge depois que o governo corrupto de Batista caiu e Castro pôs Guevara no comando da prisão de San Carlos de La Cabaña. Ali testemunhas asseguram que uma noite em 1959 ele presenciou a execução de sete presos políticos.
Uma outra testemunha, Javier Arzuaga, um padre, contou a Vargas Llosa que Che Guevara nunca revogou uma sentença. Disse que ele, pessoalmente, presenciou a 55 execuções. O número de execuções de presos políticos durante os seis meses que Che Guevara dirigiu o La Cabaña varia. O economista Armando Lago compilou uma lista de 179 execuções. Pedro Corzo, que está fazendo um documentário sobre Che Guevara, cita o número de 200. Vilasuso disse a Vargas Llosa que 400 presos políticos foram executados sob o comando de Guevara.

E agora? Antes de olhar embevecido esse poster de “Che” ou vestir a T-shirt com a sua imagem, que tal se se informasse melhor sobre essa personagem e o seu mito?

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27.3.07

Destacados...

  • Dizeis que uma boa causa santifica até a guerra? Pois eu digo-vos: é uma boa guerra que santifica todas as causas. (Nietzche)
  • A fractura na esquerda foi durante muito tempo a fractura entre reforma e revolução; a primeira defendida por socialistas e social-democratas, a segunda identificada com o modelo comunista. O "terrivel interregno" de que fala o escritor Octávio Paz é a ausência de reforma e a ausência de revolução.
  • (...) já devia ter sido demitido mesmo antes de ser nomeado!
  • O cristianismo é de origem judaica e defende uma "moral de escravos", com origem nos fracos e para protecção de fracos. A esta categoria pertence também o socialismo, a democracia e toda a espécie de humanitarismo. (Nietzche)
  • Somos (os britânicos) o maior povo do mundo. Quantos mais territórios colonizarmos, mais esse facto terá importância para a humanidade. Se a maior parte do mundo ficar sob a nossa administração, será o fim de todas as guerras. (Cecil Rhodes -1890)
  • "Os ricos que paguem !" (Frase pronunciada em 1908 pelo então ministro das finanças inglês Lloyd George)
  • A Europa moderna nasceu do feudalismo e não do capitalismo. Por isso mesmo, é natural que tenha linhas de separação de classes muito mais rígidas do que os EUA

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26.3.07

Pequenas reflexões a "Grandes (?!) Portugueses"


Fernando Pessoa

Ao ver este poeta entre os propostos para a distinção de “Os Grandes Portugueses”, o polémico programa, dito de entretenimento, levado a cabo pelo canal público da televisão portuguesa, fico perplexo e confuso.
Interrogo-me: Qual o valor real deste homem, nas letras do meu país? Se houvesse qualquer coisa parecido com um “ranking”, que lugar lhe caberia?

De concreto, constato o seguinte: quem, nos anos 50 estudasse por uma “selecta literária” não encontraria lá qualquer referência a um tal Fernando Pessoa e implicitamente, nem a qualquer dos seus hoje tão famosos heterónimos. Porquê? Escrevia e publicava em Portugal há 26 anos; falecera há 15? Por essa altura, posso afirmar que no mundo em que vivia o comum das pessoas de cultura mediana, ninguém fazia a mínima ideia de quem era o futuro-passado “poeta fingidor”.

Então algures no espaço e tempo, não sei exactamente quando nem porquê, parece ter ocorrido um “click”. Pessoa começou a aparecer nos suplementos literários sm tudo o que era jornais, Pessoa para cá, Pessoa para lá, Pessoa revisitado, analisado dissecado e, a determinada altura, parece que todo o país bem pensante, em uníssono fez ouvir um sonoro “Eureka!” – temos um poeta à altura [ou acima) de Camões, que era então o decano deste género.

O Fernando Pessoa era um homem culturalmente bilingue, com nítida ascendência da língua de Shakespeare. Era uma daquelas pessoas que pensaria na sua língua nativa, que era o inglês. Sintomático, o facto de a sua derradeira frase escrita, tenha sido precisamente naquela língua. Como o poderíamos correctamente classificar? Como um português inglesado, ou como um inglês aportuguesado?

Eu, sobretudo quanto a poesia, sou um completo ignorante. Desconfio que há muitos outros para aí … mas como estão inscritos na Ordem dos Intelectuais, lá vão debitando umas asneirolas, com pompa e circunstância. Portanto, eu não sei se Pessoa era um grande poeta e ainda menos se era o maior. Sei, é que quando uma pessoa, ou uma marca, passa em pouco tempo do anonimato ao Pórtico da Fama, ou por ali há uma irreprimível qualidade ou talento, ou, mais correntemente, uma operação de marketing bem sucedida.

Pessoa seria aquele génio que todos esses clubes literários badalam por aí? Pode ser. Eu só posso reflectir que grande parte do seu sucesso, pode bem residir na aura de esoterismo em que se envolveu, com maçonarias, rosa-cruz e coisas assim pelo meio, a par da invenção dos heterónimos, que deslumbra e fascina os académicos e os “entendidos” da matéria.

Sabemos que Pessoa bebia o seu “copito”. Alguns, quando isso sucede, vêem a dobrar. Pessoa, em circunstâncias idênticas, talvez tivesse a faculdade de “pensar a dobrar e criar réplicas de personagens” e, quem sabe, no decorrer das suas lucubrações, tenha resolvido dar vida literária, nome e personalidade, a alguns desses autores-personagens. Transposto para os nossos dias e para os "vídeo-games", os heterónimos seriam uma espécie de “vidas” descartáveis, no seu universo da escrita.

Seja como seja. Mas, para a distinção de “O Grande Português” dos últimos dois séculos, tudo o que se sabe sobre Pessoa, é pouco substantivo, não acham?

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25.3.07

Pequenas reflexões a "Grandes (?!) Portugueses"


Infante D. Henrique

Na minha vida, um dos momentos de perda de inocência está ligado à figura histórica do Infante D.Henrique, que agora vejo proposto para ser considerado como “O Grande Português” no programa da televisão pública portuguesa, onde se discute e vota esta questão.

Para mim, como para muita gente que estudou História pelos manuais escolares o Infante era uma figura ímpar, Nas nossas mentes ficou a imagem dum homem alto, vestido de preto com os trajes próprios de um príncipe do século XV olhando o mar desde a ponta de Sagres, sonhando a aventura marítima dos portugueses, os descobrimentos, o dilatar da fé e do império, o dar novos mundos ao mundo.

Hoje, essa imagem é mais idílica do que real, sem tirar os muitos méritos que o Infante e a sua escola naval tiveram nos Descobrimentos. É uma leitura da História de Portugal, escrita por esse estudioso esclarecido que foi A.H.Oliveira Marques, que me traz definitivamente para uma realidade bem menos etérea.

A mola impulsionadora das Caravelas e dos Descobrimentos, teve muito menos a ver com idealismos e muito mais com “vil metal”. Cedo a palavra ao historiador:

«A Europa tinha falta de ouro. Por todo o continente descera a produção aurífera, enquanto as compras ao Oriente aumentavam continuamente. Escassez de numerário, incitou mercadores e negociantes a uma tentativa de domínio das minas de ouro fora da Europa. A desvalorização da moeda em Portugal também alcançara níveis impensáveis. Ora sabia-se muito bem no Ocidente que existia ouro algures na África ao sul do Sahara (...) o que explica em parte também as viagens portuguesas de descobrimento. Na verdade, nenhuma nação da Europa Ocidental se encontrava mais perto das jazidas auríferas do que os portugueses»

O Infante D.Henrique, era também um grande senhor feudal. O Algarve era dele. Era ainda governador de Ceuta. Com um notável visão empresarial conseguiu da côrte o monopólio da pesca do atum em todo o reino da Algarve, a dízima de todo o peixe apanhado pelos pescadores de Monte Gordo, tinha nas mãos a maior parte do abastecimento de peixe a Ceuta, privilégios sobre a moagem, a indústria tintureira, a produção de sabão, etc. Um verdadeiro homem de negócios.

Não obstante, ainda lhe sobrava tempo para iniciativas, igualmente lucrativas, relacionadas com as viagens marítimas. Não a totalidade, mas um terço das viagens efectuadas entre 1415 e 1460, ano da sua morte, realizaram-se por iniciativa do Infante. Os restantes dois terços deveram-se a iniciativas de reis (D.João I, D.Duarte, D.Afonso V), de outros senhores feudais, de mercadores etc.

Foi o Infante, um Grande Português? Certamente. Mas se vivesse hoje, as suas empresas estariam também cotadas no PSI 20 da Bolsa de Valores De Lisboa, o que não vai em seu desabono.

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Pequenas reflexões a "Grandes (?!) Portugueses"


Aristides Sousa Mendes

Recordo o meu pai contar-me um episódio da sua participação na Revolução de 7 de Fevereiro de 1927.
O teatro das operações era a cidade do Porto e o principal núcleo das tropas revoltosas, comandadas pelo General Gastão Sousa Dias – que se opunha ao regime instalado no país pela revolução de 28 de Maio de 1926, o qual viria a dar origem ao Estado Novo e a António de Oliveira Salazar – encontrava-se na Praça da Batalha.

Ali tinham aberto trincheiras, orientadas para a previsão de que a aguardada investida das tropas fiéis ao governo surgiria de frente, e a partir de uma das ruas que convergiam para a Praça.
A rectaguarda da tropa estava devidamente assegurada, julgava-se.

Efectivamente, qualquer movimento que atacasse a tropa por esse lado, deparar-se-ia com um obstáculo intransponível para a época – o rio Douro. Suspeitava o Estado Maior de Sousa Dias que pudesse ocorrer um movimento de tropas através de um destacamento de cavalaria aquartelado na outra margem do rio na então Vila Nova de Gaia.

Essa tropa, para se dirigir para a Praça da Batalha teria que atravessar a ponte D.Luís que une as duas cidades, mas aí, entraria no enfiamento da área de tiro de uma metralhadora pesada que se encontrava posicionada no final da ponte. A guarnição dessa metralhadora era comandada por um sargento, um homem experiente que tinha já combatido na Grande Guerra.

As tropas fieis ao governo entenderam mesmo atacar o reduto da Praça da Batalha atravessando a ponte D.Luís. Ao sargento, encarregado de proteger a posição, coloca-se então um tremendo problema de consciência: a cavalaria adversária ao atravessar a ponte na sua linha de fogo era um alvo fácil, demasiado fácil. Umas quantas rajadas e maior parte da tropa atacante cairia ao rio.

Eram portugueses quem estava do outro lado. Hesitou, hesitou, e a metralhadora não chegou a disparar um único tiro. A cavalaria passa por ele – muitos deles sem se aperceberem sequer de que aquele humilde sargento tinha salvo as suas vidas.

A tropa rebelde, entrincheirada na Praça da Batalha é apanhada pelas costas e obrigada a render-se. Só muito mais tarde é que tomam conhecimento daquilo que tinha realmente acontecido na ponte. Nenhum historiador daquela revolução de 7 de Fevereiro, faz qualquer referência àquele sargento anónimo, que acabou por ser aprisionado como todos os outros revoltosos, sem que jamais alguém relevasse o seu feito humano.

Ao relembrar este acontecimento, encontro-lhe certo paralelismo com a agora mediática figura de Aristides Sousa Mendes, que alguns querem promover a maior figura da nossa História, num programa de TV.
O que impele Aristides para cima em direcção ao culto do heroísmo e da abnegação, é uma evidência conhecida: os inimigos dos nossos inimigos, são imediatamente nossos amigos e incensamo-los até onde é possível.

Aristides, com a sua desobediência às directrizes do governo de Salazar, pode ter salvo vidas e isso tem muito valor. Mas, a sua actuação, podia ter desencadeado em cadeia uma série de consequências desastrosas para Portugal e os portugueses, tal como as que sobraram para os revoltosos da Praça da Batalha no Porto, em consequência do “humanismo” do tal sargento anónimo.

Que sucederia se a evolução da II Guerra Mundial tivesse sido diferente e o III Reich recuperasse as posições entretanto perdidas na Europa? Poderíamos manter a nossa neutralidade, com um país cheio de refugiados judeus, muito por acção do “humanismo” de Aristides Sousa Mendes, mas considerados pelo Reich como inimigos? E que consequências poderiam vir do nosso alinhamento no conflito?

E para terminar, e “ainda que mal pergunte” como dizia a minha velha tia: - E se as pessoas que demandavam o consulado de Bordéus em busca do visto fácil do senhor cônsul Aristides, fossem civis alemães nacional-socialistas ou, se se quiser, nazis, que procuravam afastar-se da guerra, dos bombardeamentos e da fome, o senhor cônsul também daria com toda a facilidade um visto para eles? Algo no meu subconsciente me diz que – “nesse caso, não!

Aristides Sousa Mendes pode ter merecido a árvore que lhe plantaram em Israel. Mas, proporem-no para o maior português de sempre (?!!!) parece-me que justificava um teste de alcoolemia.

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24.3.07

Pequenas reflexões a "Grandes (?!) Portugueses"


Por princípio não vou participar na votação incentivada pela produção do programa televisivo “Os Grande Portugueses”.
A mistura de História com entretenimento é muito sensível, porque se corre o risco de serem adulterados qualquer dos seus componentes, de forma a que um e outro sirvam interesses que, ao que de julga aqui, estavam nas intenções da produção do programa, e tinham mais a ver com uma cerimónia de atribuição dos Óscares do cinema – neste caso a personagens da História de Portugal - do que a estimular uma perspectiva crítica da História, aos telespectadores.

Não voto, mas observo. Dá para conhecer melhor o país que somos, não com a dimensão e a competência com que o vai fazer a equipa de António Barreto no “Portugal – Um Retrato Social”, mas, ao menos, para entender o que pensa o “Portugal que telefona” para estes programas.

Entre as 100 personagens iniciais – iniciais, porque alguém na TV as seleccionou previamente e, ao que se diz, com tanta falta de isenção que, à última hora tiverem que incluir lá o nome dum “inominável”, justamente aquele que, para o bem ou para o mal segundo a perspectiva histórico-política, esteve à frente dos destinos do Portugal do século XX, durante quase 50 anos.

Em contrapartida, ali se encontravam, como candidatos sugeridos para receberem a distinção de “melhor português”, durante um espaço temporal que abarca quase dois séculos, mais precisamente 1964 anos, nomes como Catarina Eufémia (!), Hélio Pestana (!) [quem poderá esquecer a sua obra mais emblemática – a dobragem da voz do carro de corridas Chick Hicks num filme da Disney, ou mesmo o seu lugar numa eliminatória do programa Dança Comigo] e António Variações (!). Por ninguém da RTP foi dito que o programa tinha também uma vertente humorística. Parece que tinha ...

No meu entender mereceria, mais do que ninguém, a distinção de “Grande Português” uma personagem que prefiro denominar de “Português Desconhecido”. A História, tal como as estórias da infância também começam pelo clássico era uma vez … Depois vem os grandes [mais do que os pequenos] feitos, de reis, descobridores, governantes, políticos, poetas, cientistas, generais. São eles que ganham batalhas, fazem conquistas, descobertas, escrevem poemas, inventam, investigam, fazem política, ficam na História.

E o povo anónimo? Aquele que combateu como soldado de todas as guerras sem se interrogar sobre se eram justas ou injustas [há guerras justas?], semeou a terra ou foi buscar peixe ao mar, fez progredir o comércio, navegou, foi operário, artesão, estudioso, empresário, técnico, salvou vidas em hospitais, foi emigrante, trabalhou, e com o produto dos seus impostos tornou possíveis os brilharetes das classes dirigentes, foi realmente, quem fez e manteve ao longo de séculos esta nação, algumas vezes motivado por dirigentes, na maior parte das vezes, apesar da existência deles …

Os soldados portugueses que caíram em nome de Portugal na I Guerra Mundial ainda têm um monumento que os recorda: o Soldado Desconhecido. Aos grandes portugueses anónimos, que os houve em todas as épocas, nem nas nossas memórias têm lugar.
Mas teriam o meu voto neste programa de televisão.

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Anotado

  • Não quero "yes-men" à minha volta. Quero que todos me digam a verdade... mesmo que isso lhes custe o emprego. (Samuel Goldwin - magnata norte-americano)
  • Xadrês (1): O maior desperdício mundial de inteligência.
    Xadrês (2): Demasiado jogo para ser ciência e excessivamente científico para ser um jogo.
  • O melhor amigo do homem é o whisky. O whisky é um cachorro engarrafado. (Vinicius de Moraes)
  • O caso Watergate ... deu má reputação à política suja. (Bob Hope)
  • A voz é o nosso segundo rosto. (Gerard Bauer)
  • Vote em nós sem qualquer problema; não há a menor possibilidade de sermos eleitos ! (grafito Anarquista)
  • Era uma vez dois irmãos. Um fez-se, sem rumo, ao oceano. O outro fez-se eleger vice-presidente dos Estados Unidos. Nunca mais se ouviu falar de qualquer deles. (Thomas Marshall -Vice-Presidente dos E.U. na presidência Woodrow)
  • Vénus de Milo: Granjeou através dos séculos a fama de ser a mais bela mulher do mundo, justamente porque não fala. Arriscava-se a deitar tudo a perder se abrisse a boca.

23.3.07

Sexta-Feira 13 ...


Muitas pessoas tem como aziaga a coincidência do dia 13 com uma sexta-feira. Na origem desta crença estará certamente a ocorrência de um evento histórico importante: a destruição dos Templários.
Foi uma sexta-feira dia 13, de Outubro do ano 1307 que, cumprindo uma ordem secreta do Papa Clemente V os Templários foram esmagados. A Ordem foi dissolvida, e a maioria dos seus membros, presos, torturados e mortos.

A Ordem dos Templários havia sido criada em Jerusalém em 1118 para proteger os peregrinos cristãos que demandavam a Terra Santa. Acabou por se transformar numa das mais poderosas e enigmáticas organizações da Idade Média.
As origem do seu imenso poder e influência são mal conhecidas. Fala-se que, sendo os possuidores de segredos do antigo povo judeu, teriam procedido a escavações nos subterrâneos do templo de Jerusalém onde se instalaram, e aí recuperado um enorme tesouro.
Com rituais de iniciação, voto de pobreza e uma dedicação espartana, os templários tornaram-se monges-guerreiros, detentores de profundo conhecimento esotérico e donos de enorme fortuna.

Aos poucos, passaram a influenciar os centros do poder político e financeiro em toda a Europa e na Terra Santa. A Ordem expandiu-se, acumulando vastos domínios em mais de dez países, vindo a enriquecer ainda mais através da concessão de créditos a reis, nobres e prelados, cobrando juros sobre esses recursos e instituindo assim o embrião do moderno sistema bancário.
Os cheques, por exemplo, são uma invenção dos templários. Evidentemente, transportar valores na Idade Média representava um enorme risco. Assim, qualquer viajante poderia depositar determinada quantia em uma fortaleza templária e receberia um documento cifrado que poderia ser descontado em qualquer outra fortaleza, pagando-se um percentual por tais serviços. Além disso, os templários fizeram empréstimos a diversos reinos, o que demonstrava o seu poder económico.

No século XIV, a Ordem teria alcançado tamanho poder, que Filipe IV de França – que, ao que se dizia, devia dinheiro aos Templários e, pior, em determinada altura teria tentado ingressar na ordem templária, mas isso ter-lhe sido recusado - e o Papa Clemente V, que por sua vez devia favores ao rei, colocaram secretamente em prática uma estratégia para esmagar os Templários e apoderar-se de seus enormes recursos que, para além de bens de riqueza, compreendiam também documentos importantes com informação valiosa sobre tecnologia naval - que seria posteriormente usada por Colombo, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama,

Para esse dia, o Papa enviou instruções secretas, lacradas, a serem abertas simultaneamente pelas suas forças, por toda a Europa, no dia 13 de Outubro de 1307, véspera do dia em que a Ordem completaria 200 anos. Ao serem abertas, os destinatários tomaram conhecimento da afirmação do Pontífice. de que Deus viera a ele numa visão, alertando-o de que os Templários eram hereges, culpados de adoração ao demónio, homossexualismo, desrespeito à Santa Cruz, sodomia e blasfémia.

Na época ninguém se atreveria a duvidar que Papa, recebera de Deus a ordem de purificar a Terra, reunindo todos os Templários e torturando-os até que confessassem as supostas heresias cometidas. Sob tortura, foram obrigados a confessar a prática de obscenidades, homossexualismo e a negação de símbolos cristãos. Em 1314, 500 Templários foram queimados vivos em Paris, entre eles, seu último grão-mestre.
Este, Jacques de Molay, prestes a ser executado na fogueira amaldiçoou aqueles que causaram tão injusta perseguição, convocando-os a prestar contas a Deus no prazo de um ano. A maldição dirigia-se especificamente ao rei Filipe IV, ao Papa Clemente V e a Guilherme de Nogaret, guarda do Selo Real. Coincidentemente os três personagens vieram a falecer naquele prazo.

Alguns templários sobreviventes foram acolhidos pelo rei de Portugal, D.Dinis. Em 1317, obtiveram de Roma autorização para fundar a Ordem dos Cavaleiros de Cristo, que manteve a estrutura e os símbolos dos templários. A maioria dos grandes navegadores portugueses, entre eles Pedro Álvares Cabral, pertenciam à Ordem de Cristo e suas armadas singravam os mares com a Cruz de Copta, o símbolo dos templários, impressa nas velas.

Alguns templários também se dirigiram para a Escócia, onde foram recebidos de bom grado e se incorporaram ao exército escocês. A experiência e destreza dos cavaleiros templários foi importante nas batalhas que culminaram com a libertação do país da dominação inglesa. Apesar disso, nunca mais alcançaram a importância anterior. Segundo alguns, na Escócia gozaram de liberdade suficiente para continuar as suas actividades sem ser incomodados pela inquisição da Igreja Católica, tendo-se misturado a fraternidades maçónicas, donde se originou, segunda a lenda, a Franco-Maçonaria, rito escocês.

21.3.07

Histórias e Slogans de Abril 74


"A terra a quem a trabalha" - de inspiração marxista, abria o caminho à reforma agrária nas planícies alentejanas. "Operários e camponeses unidos vencerão" traduzia a clássica receita do movimento comunista para transformar as insurreições em revolução: a aliança operário-camponesa. Entretanto a esquerda militar incitava a efectuar ocupações e o Partido Comunista liderava-as.

Porém em Abril de 75, ocorre algo diferente em todo o processo revolucionário da chamada reforma agrária, quanto à iniciativa popular: povo de aldeias do concelho da Azambuja atreveu-se a fazer uma coisa que o Partido Comunista sempre abominou: resolveu agir sem perguntar ao partido – e logo para ocupar a Torre Bela, a mítica herdade do Ribatejo, de milhares de hectares, a maior área de terra agrícola murada do País pertença do duque de Lafões, patriarca dos Palmela.
Recebe, depois da ocupação consumada o apoio que lhe é dado pela LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), um movimento extremista de esquerda, independente do Partido Comunista.

A LUAR tinha tido uma génese romanesca, à imagem dos seus fundadores, que, para financiarem as actividades do movimento de acção directa contra o Estado Novo de Salazar, tinham recorrido a um “financiamento” forçado desse mesmo Estado, efectuando em Maio de 67, através de Hermínio Palma Inácio (nota – depois de 74, aderiria ao Partido Socialista e … seria integrado na função pública em categoria elevada), um assalto, algo rocambolesco, à depêndência do Banco de Portugal na Figueira da Foz.
O assalto teve mais espectacularidade e impacto mediático do que própriamente lucros monetários. Com alguma imaturidade, o assalto acabou por se concretizar na parte mais substancial, em notas acabadas de emitir, com números de série fácilmente identificáveis que as tornavam de muito precária circulação.

Antes da formação do movimento Palma Inácio e alguns dos seus amigos revolucionários, como Henrique Galvão e Camilo Mortágua, já tinham levado a efeito duas actuações espectaculares as quais, seja qual for o juizo ético e político que delas se faça, reservam aos seus autores, enquanto percursores, um lugar na história moderna: efectuarem o primeiro desvio de um avião comercial – um ‘Super Constellation’ da TAP, voo Casablanca e Lisboa, e o primeiro acto de pirataria aérea dos tempos modernos, com o assalto e sequestro em alto mar, do paquete português Santa Maria com 612 passageiros.

Em apoio aos ocupantes da Torre Bela a LUAR envia para ali Camilo Mortágua, o militante mais talhado para transformar a herdade num modelo utópico de cooperativa revolucionária nunca antes experimentado. A ocupação da propriedade dos Palmela terminou ingloriamente em 1978, mas a Torre Bela, como nenhuma outra herdade ocupada pelo PCP, foi tema de reportagens na Imprensa estrangeira. Foi sobretudo o documentário realizado por Thomas Harlen, em 1976, que havia de serviria para perpetuar a “utopia” que Camilo Mortágua teimou em pôr em marcha.

Fora das utopias, ficaram também, para memória futura, recordações menos idealistas e românticas: Em certo momento, inebriado pela situação revolucionária ali criada, um dos ocupantes, um tal Sabú, abate a tiros de G3 o último veado selvagem existente em Portugal. Em seguida, com os seus camaradas de armas, delicia-se com um soberbo banquete servido em baixela da Companhia das Índias. Esta, no final do repasto serve de alvo num improvisado torneio de tiro ao pratos

Está-se em 1975. No Portugal de Abril decorre tempestuosamente o chamado PREC (Processo Revolucionário em Curso)...

19.3.07

Abril 74:Grafitos,Slogans,Palavras de Ordem (1)



  • "O povo unido jamais será vencido" - slogan revolucionário importado do Chile de Allende e ainda hoje amplamente utilizado sobretudo na Sul América. Do Chile viria também a foto original do menino (descalço ?!) colocando um cravo na espingarda de um soldado. Concretamente, slogan, foto-ícone e até o rótulo “revolução dos cravos”, na verdade não são originais. Apenas“remakes”.
    Nada de novo; ocorre citar Eça de Queiroz – Os Maias: “Aqui (em Portugal) importa-se tudo: leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes. A civilização custa-nos caríssimo em direitos alfandegários, e é em segunda mão”.

  • Nem mais um soldado para as colónias” e “Guerra do povo à guerra colonial” – Originário nos maoístas do MRPP, onde, curiosamente, na altura pontificavam figuras conhecidas da actual vida política embora noutros sectores, casos de Durão Barroso, Saldanha Sanches, Ana Gomes, Maria José Morgado etc. teve um efeito devastador na condução da política de descolonização;
    apressando-a descontroladamente, lançou a indisciplina nas forças armadas nacionais, quer no continente quer nas colónias, esteve na origem do êxodo de refugiados de Angola e Moçambique.
    Se, a lei jamais escrita, onde todos intuem que em tempo de revolução nada é crime, não vigorasse “de facto”, para com os responsáveis do MRPP restaria um amplo espaço para, ainda hoje, serem acusados perante tribunais civis, não apenas pelas leis dessa altura, como ainda por aquelas cuja vigência se mantém. Foi, de facto um slogan assassino. Não é líquido que tenha salvado vidas, mas é inegável que contribuiu, indirectamente, para as destruir aos milhares.

  • Ninguém há-de calar a voz da classe operária" – Contribuía especialmente como apelo a um cerrar de fileiras por parte da autentica milícia civil que o Partido Comunista organizou em torno dos metalúrgicos e operários da construção da cintura industrial de Lisboa. Uma actuação violenta dessa milícia pode ser observada durante o cerco e sequestro da Assembleia da República, já referido e relatado neste blogue.

17.3.07

Intermezzo

  • As minhas tias costumavam chegar-se a mim nos casamentos, dando-me uns toques nas costas dizendo-me: "Serás tu o seguinte?..." Deixaram de fazê-lo quando eu comecei a fazer-lhes o mesmo... nos funerais!!!
  • Equações: (1)
    Homem Inteligente + Mulher Inteligente = Romance,
    Homem Inteligente + Mulher Tonta = Aventura,
    Homem Tonto + Mulher Inteligente = Casamento,
    Homem Tonto + Mulher Tonta = Gravidez.
  • Equações: (2)
    Chefe Inteligente + Empregado Inteligente = Lucro,
    Chefe Inteligente + Empregado Tonto = Produção,
    Chefe Tonto + Empregado Inteligente = Promoção,
    Chefe Tonto + Empregado Tonto = Horas Extras
  • Paradigmas:
    - Uma mulher preocupa-se pelo futuro... até que encontra marido, um homem nunca se preocupa com o futuro... até que encontra mulher.
    - Um triunfador é... um homem que ganha mais dinheiro de que pode gastar a sua mulher, uma triunfadora é... a mulher que encontra esse homem.
  • - Uma mulher casa-se com um homem esperando que ele mude, mas ele não o faz. Um homem casa-se com uma mulher esperando que não mude, mas ela muda.
  • A Associação de Pais da escola de S.Miguel (Porto) “encerrou” a escola a cadeado, numa acção de protesto contra o seu “encerramento” pelo Ministério, anunciado para o final do ano. (Expresso 04/06)

16.3.07

Uma Cultura Underground Brasileira



Você é do PCC?(*) - Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível ... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

Mas a solução seria? - Solução? Não há mais solução, cara... A própria ideia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos biliões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento económico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice e do Judiciário, que impede punições. (nós fazemos até Conference Calls entre presídios...) Ou seja: é impossível. Não há solução.

Não tem medo de morrer? - Você é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... Mas eu posso mandar matar vocês lá fora... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.
Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?
Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... Mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua.
Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, Internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

O que mudou nas periferias? - Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... Ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos.
Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

Mas o que devemos fazer? - Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas...
O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC ?
Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete anti tanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... P’ra acabar com a gente, só jogando bomba atómica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou? Ipanema radioactiva?

Mas... não haveria solução? - Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogni speranza voi che entrate!" - Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.



Entrevista dada ao Jornal O GLOBO – Coluna Arnaldo Jabor - por "Marcola", o líder do PCC

(*) O Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma organização de criminosos existente no Brasil, criada para supostamente defender os direitos de cidadãos encarcerados no país. Surgiu no início da década de 1990 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, local que acolhia prisioneiros transferidos por serem considerados de alta periculosidade pelas autoridades.
Hoje a organização é comandada por presos e foragidos principalmente no Estado de São Paulo. Vários ex-líderes estão presos (como o criminoso Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo Marcola, que atualmente cumpre sentença de 44 anos, principalmente por assalto a bancos, no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes e ainda tem respeito e poder na facção).
O PCC conta com vários integrantes, que financiam ações ilegais em São Paulo e em outros estados do país. [Fonte: Wikipedia]

15.3.07

Cravos e "Cromos" do Abril 74 (2)


Uma Tarde na Assembleia da Republica


"Fora com o Galvão!" - era a caixa do jornal República daquele dia de Agôsto de 1975. O prestigioso jornal, agora ocupado pela extrema-esquerda, tinha-se entretanto transformado em tablóide revolucionário. Qualquer rumor era notícia. O alvo para esse dia, era o General Galvão de Melo, membro da Junta de Salvação Nacional que tomou o poder a seguir ao golpe militar de Abril de 74, e que entretanto tinha sido eleito como deputado independente pelo CDS. Esse artigo do República foi o suficiente para Américo Duarte, o solitário deputado da UDP e representante no Hemiciclo da extrema-esquerda, entrar em acção, apresentando ao Plenário um requerimento:
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Que o Governo investigue do artigo vindo no jornal República, onde vêm declarações proferidas por Galvão de Melo, que passo a transcrever: "Galvão de Melo possuía cópias dos arquivos da ex-PIDE/DGS guardadas em duas embaixadas.
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Ainda o requerimento estava quente quando o secretário da mesa anuncia: - Há ainda outro requerimento do Deputado da UDP que, requer que a Mesa ponha imediatamente à votação desta Assembleia a expulsão do Deputado do CDS Galvão de Melo (risos).
Continua o secretário: A Mesa não aceita este requerimento, apenas leu as suas conclusões, para melhor informação desta Assembleia..."
Américo Duarte: Fora o fascista do Galvão de Melo!
O Secretário: (...) a Mesa, em rigoroso cumprimento desse Regimento ...
Américo Duarte: A Mesa é fascista!
O Secretário: ... não aceita o requerimento. O Senhor deputado pode recorrer ...
Américo Duarte: O recurso dá-o o povo!" (risos).
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Algum tempo depois, Américo Duarte pede novamente a palavra: Perante as provocações e infâmias que o fascista Galvão de Melo para aqui tem feito contra as posições defendidas pela UDP nesta Assembleia Constituinte, (...) Não é a fascistas ou a reaccionários e traidores que eu reconheço o poder de me julgarem. Só a classe operária, a que pertenço, e o povo trabalhador deste País (...) Nós sabemos que esse senhor apareceu ligado ao golpe do 11 de Março, (...) também no 28 de Setembro esse senhor foi apanhado no Sheraton, (...) e afirma que o golpe de 11 de Março foi urdido pela extrema esquerda. Esse fascista, está a encobrir e desculpar o colonial-fascista Spinola e pior do que isso, - passamos a ler uma notícia vinda na República, de 16 de Agosto de 1975: - Bronzeando-se na piscina do Hotel Atlântico ... (risos)
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Américo Duarte: ... o general Galvão de Melo, afirmou poder provar as suas afirmações, proferidas na Assembleia Constituinte, acerca do Deputado da UDP (nota do editor - referência ao requerimento para que a Assembleia investigasse se o Deputado da UDP tinha, em tempos, sido informador da polícia política), pois possuía cópias dos arquivos da exPIDE/DGS guardadas em duas embaixadas estrangeiras.
Segundo esta notícia do República, este senhor, além de todas as acções fascistas, roubou documentos que pertencem ao Estado Português e ao povo português.
Este senhor falou quando os seus chefes o mandaram intervir, para que ele aparecesse neste momento, em que os fascistas levantam a cabeça, fazem actos terroristas e querem acabar com as conquistas já alcançadas pelo povo português.
Os fascistas actuam hoje em Portugal para que voltemos ao 24 de Abril. Daqui alertamos as massas populares para que, não nos deixando dividir pelos inimigos do povo, avancemos numa ofensiva popular contra o fascismo, gritando bem alto:
Morte ao fascismo e a quem o apoiar! Mais queria dizer a UDP. Daqui, da Assembleia burguesa e fascista, convoca todos... (apupos e assobios).
Américo Duarte: ... todos os operários e camponeses... (agitação na sala).
Américo Duarte: ... todos os soldados e marinheiros, todos os trabalhadores e antifascistas anti-imperialistas. (apupos).
Américo Duarte: Temos vindo a assistir nas últimas semanas a uma escalada violenta dos fascistas.
O Presidente: "Eu chamo a atenção do Sr. Deputado, para que modere um pouco as suas expressões (...) para não obrigar a Mesa a ver-se obrigada a cortar-lhe a palavra.
Américo Duarte, ignorando: Queria alertar todos os operários e camponeses, todos os soldados e marinheiros, todos os trabalhadores antifascistas e anti-imperialistas (...). Contra o fascismo, contra o capital. Ofensiva popular. Contra os imperialismos- independência nacional. Contra as superpotências- unidade com o Terceiro Mundo. Vivam - os camponeses, irmãos dos operários. Fim aos latifúndios e à exploração dos camponeses. Fim à miséria dos camponeses. Operários e camponeses, soldados e marinheiros, unidos venceremos. Soldados sempre, sempre ao lado do povo. Dissolução da Constituinte, já! (apupos, grande agitação na sala, manifestações nas galerias)
.
O presidente da Assembleia avisa mais uma vez que as galerias não se podem manifestar. Américo Duarte contesta: Eu só queria dizer que o povo que lá está em cima é aquele que paga para estes senhores estarem aqui em baixo. (vozes: "Qual povo?" Aplausos das galerias. Agitação na Sala).
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O Presidente: O Sr. Deputado Américo Duarte não tem necessidade de seguir esse caminho. Peço-lhe, que ajude a presidência na boa ordem e no bom seguimento destes trabalhos.
Américo Duarte continua como se não tivesse nada a ver com o assunto: Por tudo isto convidamos todos os operários, camponeses, soldados e marinheiros, sargentos e oficiais progressistas e todos os trabalhadores antifascistas e anti-imperialistas a integrarem-se na manifestação unitária antifascista e anti-imperialista a realizar na próxima (...) Morte ao fascismo. As comissões de moradores e de ocupantes: Casal Ventoso, Alto da Eira, Vale Escuro (...) As comissões de trabalhadores: Applied, LNEC. (aplausos do Sr. Deputado Galvão de Melo. Risos.).
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Galvão de Melo pode a palavra: Sr. Presidente, Srs. Deputados. A opinião que faço do nosso distintíssimo colega da UDP já todos a conhecem e não vale a pena repetir. Em todo o caso, eu só queria deixar aqui uma pequena nota. É que, ao referir-se a uma notícia que viria num determinado jornal sobre o facto de me ter estado a bronzear numa determinada piscina, que estive a bronzear-me, não se pode negar - porque se vê ... (risos, apupos, agitação na sala)

14.3.07

Lido por aí...

  • A única maneira de estar de acordo com um tigre, é deixar que ele nos coma. (Konrad Adenauer - ex chanceler alemão)
  • Eu e o meu povo chegámos a um acordo que nos satisfaz a ambos. Eles dizem o que lhes apetece e eu faço o que quero. (Frederico o Grande)
  • Muito do nosso pretenso raciocínio, consiste em encontrar argumentos para continuarmos a acreditar naquilo em que já acreditamos. (J. H. Robinson)
  • Não compreendo que dois “augures” (sacerdotes que interpretavam presságios - mas o raciocínio, em termos abrangentes pode aplicar-se a outras "actividades" divinatórias - cartomantes, adivinhos, gurus etc.) possam olhar um para o outro sem rir. (Cícero)
  • Administração, é um órgão de trabalho que torna difícil às outras pessoas trabalharem. (Peter Drucker)
  • Há pessoas inteligentes que à custa de se deixarem adular, acabam estúpidas. (Carlos Lacerda - Político brasileiro)
  • O tempo dos pistoleiros acabou. Agora é o tempo dos advogados. (Frase do filme Padrinho III)
  • A ajuda económica externa, é uma forma de transferir o dinheiro dos pobres dos países ricos para os ricos dos países pobres.

13.3.07

Cravos e "Cromos" do Abril 74 (1)





Ser ou Não Ser

Informador da PIDE



14 de Agosto de 1975. O deputado da UDP (extrema-esquerda) Américo Duarte, faz mais um dos seus discursos em que distribuia insultos a eito.
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Américo Duarte: O povo trabalhador de Portugal vive hoje um dos momentos mais difíceis da sua luta desde o 25 de Abril. Os fascistas levantam a cabeça e estão em plena escalada no Centro e Norte do País. O assassino Spínola já dá entrevistas à BBC, onde diz que lutará, citamos, «em todos os campos e por todas as formas», nós sublinhamos «por todas as formas», por aquilo a que chama a libertação de um povo." (Agitação na Assembleia).
Américo Duarte: Este colonial-fascista, assassino dos povos irmãos das colónias e assassino do povo português fez até ameaças veladas de guerra civil em Portugal, a exemplo, também, do Sr. Galvão de Melo.
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O discurso prosseguiu com insultos e acusações da mesma estirpe, aos imperialistas americanos e os sociais-imperialistas russos e aos lacaios de Cunhal. Alguns minutos mais tarde, Galvão de Melo, o general que fizera parte da Junta de Salvação Nacional e que era agora deputado do CDS
, pediu a palavra para ler um requerimento:
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Galvão de Melo: Vou ler um requerimento que acabei de entregar na Mesa; Já por repetidas vezes o nosso distintíssimo colega Sr. Américo Duarte, Deputado pela UDP, aqui proferiu criticas pessoais visando directamente Deputados de todos os restantes partidos, eu próprio, e, certa vez, nem o Movimento das Forças Armadas escapou, ao ser «atacado» um dos seus membros: o Sr. Tenente Judas, presidente da comissão de desmantelamento da Direcção-Geral de Segurança (DGS). Estes «ataques», que o nosso distintíssimo colega não pensou nem escreveu e tão-somente nos leu o melhor que pôde (risos), só não são insultantes por virem de quem vêm; só não são insultantes porque aquele que os proferiu é o primeiro a não compreender (risos).
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Estes desabafos, para além de simples divergência política, revelam um nervosismo e uma raiva incutida que começa a ser suspeita. Revelam medo! Medo de quê? O excesso de agressividade é sempre revelador de um sentimento de medo. Ora, tenho verificado que a agressividade do Sr. Américo Duarte explode com violência impressionante sempre que, directa ou indirectamente, vem ao caso mencionar a antiga Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), que mais tarde passou a designar-se por Direcção-Geral de Segurança. Porquê esta preocupação tão específica? Será que com o seu vozear tonitruante o Sr. Américo Duarte pretende abafar algum prurido de consciência antiga? Será que o Sr. Américo Duarte, ou alguém que por trás dele se esconde, ou na frente se mostra (risos), tenha, de qualquer modo, tido ligações profissionais com a polícia que durante meio século foi sustentáculo da ditadura derrubada em 25 de Abril? De facto, possui o Sr. Américo Duarte duas características que, bem aproveitadas, teriam feito de si um informador por excelência de qualquer polícia política: Obediência de autómato; Ousadia em declarar o que não sabe.
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Tendo em conta as considerações expostas, e ao abrigo do artigo 6.º, n.º 9.º, e artigo 12.º, n.º 1, alínea a), do Regimento, requeiro ao Presidente deste Assembleia que use de todos os meios ao seu dispor para esclarecer os duzentos e cinquenta. membros desta Assembleia, representantes do povo de Portugal, aqui reunidos, sobre esta grave dúvida: foi ou não o Sr. Américo Duarte informador da PIDE/DGS?
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Após as gargalhadas e bastante burburinho, a sessão prosseguiu. Mais tarde, no período da ordem do dia, Américo Duarte manifestou a sua indignação com uma declaração de protesto que foi lida pelo secretário da mesa da Assembleia:
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"Declaração de protesto ao Presidente e de alerta ao povo português:
1.º O Sr. Galvão de Melo acabou de lançar uma provocação ao povo português
(risos), quando, depois de fazer um discurso reaccionário, perguntou a certa altura «de que é que se esperava?», na clara intenção de perguntar às forças reaccionárias se não seria esta a altura de lançar um golpe fascista;
2.º Esse senhor, não contente com isso, faz um requerimento atacando a posição da UDP, representada nesta Assembleia, lançando provocações e calúnias que não são tomadas por uma afronta pessoal, mas a tentativa de uma provocacão generalizada às massas populares;" (Aplausos e manifestações das galerias).
3.º A UDP apresentou nesta Assembleia, perante a Comissão de Verificação de Poderes, o pedido de averiguação das ligações anteriores dos Deputados, em especial de Galvão de Melo - que tanto no 28 de Setembro como no 11 de Março apareceu embrulhado nos golpes com forças fascistas;
4.º Para nós, as duas intervenções desse senhor feitas hoje, mostram bem o levantar de cabeça do fascismo, perante o qual o povo tem de estar preparado para responder, e mais do que isso, que o Sr. Deputado Galvão de Melo está disposto a passar das palavras aos actos, ou seja ser a cabeça e o corpo de um novo golpe fascista, como afirmou a um jornal espanhol. Daqui alertamos as massas populares para estarem vigilantes e unidas, de forma a esmagar o avanço fascista."
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Galvão de Melo pede a palavra: Sr. Presidente, Srs. Deputados: ...
(Manifestações nas galerias).
Américo Duarte abandona a Sala e de caminho grita para Galvão de Melo: "Hás-de ir parar ao Campo Pequeno!"



[Nota do editor: O Campo Pequeno é a Praça de Touros de Lisboa. "Meter os Fascistas no Campo Pequeno" tinha sido uma alusão de Otelo Saraiva de Carvalho feita perante a imprensa, durante esse verão de 1975, num momento de grande euforia revolucionária, quando regressava de uma visita à Cuba comunista. Aí, fora recebido como herói da "revolução" portuguesa, uma espécie de réplica europeia do lendário Che Guevara; o próprio Fidel Castro presenteara-o com uma metralhadora pessoal.
Encurralar adversários políticos dentro de praças de touros tinha antecedentes próximos, que Otelo deveria conhecer, ocorridos recentemente no Chille, por ocasião da revolução que derrubou Allende, e outros mais remotos, como os da Guerra Civil de Espanha (1936-39). Estes encerramento de adversários em praças de touros, tiveram também desfechos de diferentes gravidade. Na Praça de Touros de Badajoz ocorreram vários fuzilamentos.]



11.3.07

Os Cravos Loucos do Abril 74 (5)


Quando Sequestraram o Parlamento - Parte III


(...continuado) Foram horas intermináveis, durante as quais ocorreram detalhes e pormenores que mais vale tentar esquecer. Outros valerá a pena recordar, para que tenhamos na mente, como foi todo esse tempo em que a Democracia foi tão mal tratada. Eu, cidadã e desconhecida funcionária de um Gabinete da Assembleia da República, não esquecerei nunca, a maneira ignominiosa e revoltante como fui obrigada a deixar as instalação da Assembleia.
O deputado Barbosa de Melo, em nome do nosso Grupo Parlamentar, tinha-se recusado, a abandonar assim, sem um mínimo de dignidade e de segurança física, a Assembleia. Queria que se reunisse o Plenário e que ali, no Hemiciclo, aguardássemos até serem garantidas as condições de segurança para sairmos com dignidade.
Nada disso aconteceu, e fomos informados que teríamos de abandonar a Assembleia – que éramos obrigados a abandonar a Assembleia – pois a segurança física dos sequestrados, estaria em perigo a partir desse momento.

Recordo-me que fui das últimas a sair. Não por heroísmo, mas porque tive que arrumar ainda algumas coisas no Gabinete. No hall grande da entrada, estavam os negociadores dos manifestantes e alguma polícia, que entreabria o portão e nos fazia sair um a um.
É esta a imagem que guardo daquele “sequestro”. É isso que me marcou dolorosamente naquele dia: quando olhei em redor, e vi caras e pessoas que me mereciam o maior respeito e admiração, - não só do meu Partido mas dos outros também -, pessoas que ali dentro tentavam defender não apenas os interesses de toda a população, mas também uma Revolução que todos nós tínhamos querido, serem insultadas e maltratadas por uma turba desenfreada de ódio e, de sentimentos recalcados.
Uma imagem inesquecível, ver à minha frente os cabelos brancos do dr. Nuno Rodrigues dos Santos, um homem que tanto lutou contra o anterior regime, muito mais do que qualquer daqueles que agora ali o apelidavam de fascista, com as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos. A mim própria perguntei. “É isto a Democracia? Será este o resultado do 25 de Abril?»
No dia seguinte em frente à Assembleia reinava o caos. O espectáculo era degradante. Os manifestantes que ali tinham estado deixaram atrás um espectáculo miserável. Durante toda a noite ali tinham feito as suas necessidades físicas, tinham acendido fogueiras, que deixavam as pedras dos muros e estátuas negras de fumo. Por todo o lado só se via lixo, e levaram-se semanas para que o relvado e as escadarias em frente ao Palácio de S.Bento adquirissem novamente o aspecto digno e respeitoso que mereciam.

Esta, a minha vivência do sequestro da Assembleia da República em 12 de Novembro de 1975, feito pelo PC e seus apoiantes. Deixo-a aqui. Para que a memória se não perca.

Texto de Maria José Moreira Rato - Jornal Tempo

10.3.07

A indelével "Memória de Massas"


Quando algum dito ou acontecimento, por razões várias, atinge o patamar de “memória de massas”, não há nada a fazer. Passa a património mental adquirido, da humanidade, ou apenas de uma parte dela. Cria raizes. Fica.
* Não adianta esclarecer até à exaustão que, em rigor, Ingrid Bergman jamais pronunciou no filme Casablanca, a frase-ícone “play it again Sam”;
* Que o político americano realmente disse “no more jobs for the boys” e não exactamente o contrário, tal como a frase ficou para a história;
* Que Salazar podia ser muitas coisas de que algumas pessoas não gostavam, menos a de ser fascista; que a "queda da cadeira" que lhe teria provocado a morte, não passa de um mito.
* Que Che Guevara estava a anos-luz de ser o revolucionário romântico e impoluto a condizer com a imagem que dele foi criada;
* Que a Ti’Anica podia não ter nascido em Loulé;
* Que o detergente OMO não era o que lavava mais branco;
... ou que em 25 de Abril de 1974, não aconteceu revolução alguma em Portugal, mas sim um pronunciamento militar que teve origem em questões laborais e de definição de carreiras entre os militares.
"Verdade, é apenas aquilo que se consegue meter na cabeça dos outros"

Os Cravos Loucos do Abril 74 (5)


Quando Sequestraram o Parlamento - Parte II

(na foto o deputado Américo Duarte da UDP)
(...continuado) Só muito tarde, já quase no final do sequestro, se soube que os Deputados do Partido Comunista tinham tido, desde o início, o privilégio de saírem e entrarem sempre que os seus mantimentos acabavam.
Isto pude eu própria confirmar, pois quando de madrugada, quase de manhã, me ofereci com um deputado do CDS para irmos ao bar fazer um café, na tentativa vã de enganar os estômagos dos Deputados - que constantemente me assediavam para eu lhes arranjar qualquer coisa quente -, e, depois de constatarmos que nada conseguiríamos, regressávamos de mãos a abanar, fomos surpreendidos, em pleno hall de entrada, por um deputado do PCP, que ali entrava calmo e seguro pela porta principal, absolutamente ajoujado e aviado com sacos de supermercado.
Os meus olhos nem queriam acreditar. Pão? Leite com chocolate? – Mas isso era um banquete! E enquanto o deputado do PCP subia as escadas, nós subíamos no elevador com a velocidade que este permitia e, já nos Passos Perdidos, demos a maravilhosa notícia: - “Há comida no Partido Comunista!”. Fomos logo seguidos por vários “esfomeados”. Corremos para a sala 80, do PCP, na esperança que nos oferecessem … pelo menos uma chávena de leite. Puseram-nos fora! A Deputada Alda Nogueira chegou mesmo a dizer-me que eu não tinha o direito de ali estar.
Mas há um direito, que esse sim, ela não me pôde cortar. O de constatar com os meus próprios olhos, que mais repastos tinha havido durante a noite - a confirmá-los, as carcassas de frangos e toda uma mesa bem apetrechada – e, a partir desse momento, ficar definitivamente a conhecer qual o sentido de camaradagem, e a noção de democracia do Partido Comunista.
Sequestros, assim? Está bem!...
E, cá fora da porta, nós cantámos o refrão de uma das suas canções revolucionárias: “Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada…”.
A noite tinha sido longa e cansativa. Deputados, funcionários e alguns visitantes que lá tinham acabado por ficar, passeavam e conversavam nos corredores e nos Passos Perdidos. Todos, menos o PC.
Um funcionário dos serviços da Assembleia veio-me trazer o resto de um pacote de bolachas que conseguira descobrir, e que eu dividi com algumas Deputadas. Mais não deu que uma pequena bolacha para cada uma. Consegui também arranjar dois sacos de açúcar que ofereci à Helena Roseta para tentar amenizar o seu cansaço. O resto era, com a água fresca dos bebedouros que existem à porta do Plenário, que íamos enganando o estômago.
Cá fora, a multidão, já de madrugada, dava a imagem do abandono, do cansaço, direi até, da falta de motivação. Não abrimos as janelas, porque o aroma que subia até nós era então pouco agradável. No entanto, se nos viam à janela, pobre multidão comandada, começava outra vez a gritar e a insultar.
Lembro-me de por volta das cinco da manhã, num dos telefonemas que fiz para a sede do Partido, a imagem que dei do que se passava lá fora foi esta. “Estão reduzidos a metade, o cansaço apoderou-se deles». Mas a ironia das fraquezas manteve-se. Nós continuávamos lá dentro e acabámos por sair quando eles quiseram. (...continua)

9.3.07

Os Cravos Loucos do Abril 74 (5)


Quando Sequestraram o Parlamento - Parte I

Relato de Maria José Moreira Rato para o jornal Tempo

Naquele dia 12 de Novembro de 1975, - o dia do Sequestro da Assembleia da República – para cúmulo, até fui apanhada sem almoçar. Ocupando o cargo de secretária no Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrata (PPD), tinha aproveitado a hora do almoço para dactilografar os trabalhos e as intervenções que iriam ser apresentadas no Plenário da tarde.
Sabia que estava convocada para essa tarde uma manifestação, dita da “cintura industrial de Lisboa”, e que ela estava convocada para o Ministério do Trabalho. Falava-se também que, possivelmente nos viriam “visitar” à Assembleia. Atravessávamos naquela altura os dias confusos e conturbados do ano 1975. As sessões parlamentares eram quase sempre agitadíssimas entre os apupos, os aplausos, os apartes por vezes desagradáveis entre os Deputados dos diversos Partidos e as galerias, que nessa altura se enchiam com apoiantes do Partido Comunista (PCP) e da União Democrática Popular (UDP, comunistas da extrema-esquerda). As sessões eram por vezes tumultuosas, e interrompidas para se mandarem evacuar as galerias, ou para certificar se havia ou não uma bomba na sala.
Por outro lado, muitas vezes em que estávamos na sede do Partido, éramos rodeados por “Chaimites” e pela tropa, que assim nos tentava proteger contra visitas hostis que se aproximavam ameaçadoramente. Estava portanto habituada ao desassossego das manifestações. Mas o “Sequestro da Assembleia da República”, marcou-me de forma especial; não pelas horas em que estive fechada, não pelo cansaço, fome e sono que tive, mas por todo aquele decorrer de horas de pura violência, de completa manipulação de toda uma massa animalesca que ululava e gritava slogans, absolutamente comandada por for forças e gente, que os usava, e nada tinha a ver com o seu conflito laboral.
Vezes sem conta durante a madrugada, quando o cansaço se apoderava deles, o silêncio se começava a sentir, se ouviam novamente os altifalantes com palavras de ordem, com incitações, com slogans, que eles repetiam horas afim, quase sem vontade já de falar, quanto mais de gritar.
Tudo começou eram cerca das 20 horas. Momentos antes eu começara a receber telefonemas de militantes nossos, informando-me do trajecto da manifestação. O último telefonema que recebi informara-me que a manifestação era grande. Fui prevenir os Deputados e recomendar-lhe que tirassem os carros da frente do Palácio. Quando regressei ao gabinete, já se ouvia ao longe como que um princípio de tempestade. Momentos depois, voltei à janela, e todo o largo em frente, todos os acessos, escadarias, estátuas, estavam repletos de toda uma massa de gente, nessa altura entusiasmada e viva, que trazia à frente o Deputado da UDP, Américo Duarte. (nota do editor – O mesmo que, mais tarde, berraria histéricamente no Hemiciclo, que todos os fascistas portugueses - ou seja todos aqueles que não eram comunistas - deveriam ser reunidos numa praça de touros de Lisboa para aí serem … democraticamente, fusilados)
Continuei calmamente o meu trabalho. Direito a manifestar-se toda a gente tem. Mas enfureci-me momentos depois, quando fui informada de que a Sessão terminara e nós, todos nós, estávamos impossibilitados de sair do edifício. Estávamos pura e simplesmente sequestrados. Aquela turba, lá fora, não deixava sair, nem os Deputados nem os funcionários. Ninguém estava autorizado a passar os portões lá em baixo. Esta foi a notícia que nos chegou. (continua...)

6.3.07

O Homem Que Não Gostava de Wagner


Fazendo uma pesquisa sobre António Cartaxo, o produtor de rádio na Antena 2, de programas como “A Grande Música” ou o “Em Sintonia com António Cartaxo”, encontra-se uma rara unanimidade de opiniões.
Cartaxo, realmente um profissional muito competente, e com larga experiência que lhe vem já dos tempos em que fazia rádio na BBC, produz excelentes programas, é um grande comunicador e consegue reunir um aplauso praticamente geral.
A este aplauso, eu junto sinceramente o meu. Oiço, sempre que posso, e com enorme agrado os seus programas. Com ele aprendi imenso, o muito pouco que sei sobre a grande música.
Porém, se não sou um “expert” em música clássica, também não sou completamente distraído. Então reparo, que é demasiado recorrente, para constituir apenas coincidência, as escolhas de António Cartaxo recaírem sobre uns certos grandes compositores, casos de Gustav Mahler, Leonard Bernstein, Gershwin etc e haver outros grandes compositores – chama-me especialmente a atenção um nome, Richard Wagner – que nunca vi constituir escolha para António Cartaxo.
Porque será? Terá alguma coisa a ver com o conhecido facto de as orquestras sinfónicas de Israel e, em geral, os músicos e musicólogos de origem judaica não gostarem de Richard Wagner? Mas ele, por isso apenas, não deixa de ser um enorme compositor, não é?
E, sobretudo a grande arte, a grande música, supõe-se, deveriam estar muito acima da efemeridade de políticas circunstanciais e datadas. Digo eu …

4.3.07

O que diz Gore Vidal


* Para algumas pessoas, depois dos cinqüenta anos, discutir toma o lugar do sexo.

* ... depois vieram as campanhas contra o alcool. Os homens, detestavam de tal forma as condições a que a industrialização os obrigava, que se tornavam alcoólicos. O Estado teve de intervir contra o alcool. E depois o estado acabou por intervirem tudo, como ainda hoje faz.

* Em 1982 quando concorri (para Senador dos EUA) percebi que poderia derrotar o meu opositor directo, mas tinha que gastar um milhão de dólares do meu próprio dinheiro. Hoje são precisos 20 milhões.

* Se alguém for eleito para o Senado, irá representar quem lhe pagou a campanha e o fez eleger e não os seus eleitores.

* Para 80% da população americana, o rendimento tem vindo a diminuir. Marido e mulher trabalham desesperadamente para conseguir o suficiente para igualar, o que um trabalhador ganhava sozinho em 1973.

Gore Vidal - Romancista e ensaísta. Continua a escrever livros e artigos para periódicos do mundo inteiro. Livros publicados em português: À Procura do Rei, Era Dourada: Narrativas do Império, Palimpsesto, Fundação Smithsonian, Kalki, Messias, Sonhando a Guerra, Myron, Criação, O Julgamento de Paris , Williwaw e Juliano.

2.3.07

Dito e anotado

  • Discurso grande, ideias curtas. (Provérbio alemão)
  • A melhor maneira de ganhar uma discussão é evitá-la. (Dale Carnegie)
  • Quem não sabe dissimular, não sabe reinar. (Tacito)
  • Os ditadores nascem em casas onde ninguém se atreve a dar ordens à empregada. (H.Montherlant)
  • Para trabalhar aqui não é necessário ser doido, mas ajuda muito. (Grafitti)
  • Empregado precisa-se. Basta que seja um génio e não se importe de ganhar pouco.(Anúncio de jornal)
  • Toda a empresa bem sucedida exige três homens: um visionário, um homem de negócios e um "filho da mãe". (Peter Mcarthur)
  • Os tolos dizem que aprendem com os seus próprios êrros; eu prefiro aprender com os êrros dos outros. (Bismarck)