Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

10.3.07

Os Cravos Loucos do Abril 74 (5)


Quando Sequestraram o Parlamento - Parte II

(na foto o deputado Américo Duarte da UDP)
(...continuado) Só muito tarde, já quase no final do sequestro, se soube que os Deputados do Partido Comunista tinham tido, desde o início, o privilégio de saírem e entrarem sempre que os seus mantimentos acabavam.
Isto pude eu própria confirmar, pois quando de madrugada, quase de manhã, me ofereci com um deputado do CDS para irmos ao bar fazer um café, na tentativa vã de enganar os estômagos dos Deputados - que constantemente me assediavam para eu lhes arranjar qualquer coisa quente -, e, depois de constatarmos que nada conseguiríamos, regressávamos de mãos a abanar, fomos surpreendidos, em pleno hall de entrada, por um deputado do PCP, que ali entrava calmo e seguro pela porta principal, absolutamente ajoujado e aviado com sacos de supermercado.
Os meus olhos nem queriam acreditar. Pão? Leite com chocolate? – Mas isso era um banquete! E enquanto o deputado do PCP subia as escadas, nós subíamos no elevador com a velocidade que este permitia e, já nos Passos Perdidos, demos a maravilhosa notícia: - “Há comida no Partido Comunista!”. Fomos logo seguidos por vários “esfomeados”. Corremos para a sala 80, do PCP, na esperança que nos oferecessem … pelo menos uma chávena de leite. Puseram-nos fora! A Deputada Alda Nogueira chegou mesmo a dizer-me que eu não tinha o direito de ali estar.
Mas há um direito, que esse sim, ela não me pôde cortar. O de constatar com os meus próprios olhos, que mais repastos tinha havido durante a noite - a confirmá-los, as carcassas de frangos e toda uma mesa bem apetrechada – e, a partir desse momento, ficar definitivamente a conhecer qual o sentido de camaradagem, e a noção de democracia do Partido Comunista.
Sequestros, assim? Está bem!...
E, cá fora da porta, nós cantámos o refrão de uma das suas canções revolucionárias: “Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada…”.
A noite tinha sido longa e cansativa. Deputados, funcionários e alguns visitantes que lá tinham acabado por ficar, passeavam e conversavam nos corredores e nos Passos Perdidos. Todos, menos o PC.
Um funcionário dos serviços da Assembleia veio-me trazer o resto de um pacote de bolachas que conseguira descobrir, e que eu dividi com algumas Deputadas. Mais não deu que uma pequena bolacha para cada uma. Consegui também arranjar dois sacos de açúcar que ofereci à Helena Roseta para tentar amenizar o seu cansaço. O resto era, com a água fresca dos bebedouros que existem à porta do Plenário, que íamos enganando o estômago.
Cá fora, a multidão, já de madrugada, dava a imagem do abandono, do cansaço, direi até, da falta de motivação. Não abrimos as janelas, porque o aroma que subia até nós era então pouco agradável. No entanto, se nos viam à janela, pobre multidão comandada, começava outra vez a gritar e a insultar.
Lembro-me de por volta das cinco da manhã, num dos telefonemas que fiz para a sede do Partido, a imagem que dei do que se passava lá fora foi esta. “Estão reduzidos a metade, o cansaço apoderou-se deles». Mas a ironia das fraquezas manteve-se. Nós continuávamos lá dentro e acabámos por sair quando eles quiseram. (...continua)

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