Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

14.4.09

Há Uma Idade da Inocência?


A origem de toda esta histeria colectiva contemporânea em torno de pedofilia, é conhecida: o Caso Dutroux na Bélgica*.

Infelizmente só os contornos de violência e morte que envolveram este caso e os que se lhe seguiram, são novos; como novos são os poderosos canais de informação e comunicação social que os divulgam, amplificam e implantam na mente das pessoas, através daquilo a que se usa chamar “ideias de massas”.A pedofilia sempre existiu com mais ou menos visibilidade, com mais ou menos tolerância social nas sociedades humanas, em alguns casos até como rituais esotéricos. Isto em nada nos dignifica como espécie: não são conhecidas praticas equivalentes entre os animais.

O efeito de contágio do caso Dutroux é por demais evidente: por toda a parte começaram a surgir denúncias de praticas alegadamente pedófilas que envolveram membros de igrejas, instituições sociais, escolas e famílias. Muitos casos chegaram aos tribunais e os culpados foram condenados.

Depois, como em todas as coisas, tomou-se a parte pelo todo e as generalizações abusivas também ocorreram. Para atear a fogueira social, pretendeu-se, em diversos casos – o caso português da Casa Pia é um exemplo – meter no mesmo saco pedofilia com prostituição juvenil. Há que não ter medo das palavras: há, sempre houve, crianças e jovens que, por razões que não cabe aqui analisar, se prostituem voluntariamente e fazem disso modo de vida. Cobrir estes últimos com a capa protectora que envolve o adjectivo “crianças”, é demagogia.

Não nos damos conta da enorme abrangência que tem a designação “crianças”. A miúda americana de 14 anos que está com problemas com a polícia por colocar pornografia juvenil na Internet – é uma criança. O miúdo de 13 anos que foi pai há algumas semanas – é uma criança. As adolescentes que falseiam documentos de identidade para se infiltrarem nos concursos de beleza ou frequentar sítios nocturnos “da pesada”; as mães juvenis cada vez mais precoces – também são, tecnicamente, crianças.

É por isso que, e muito bem, os códigos jurídicos de vários países estão, com algumas “nuances” a definir uma “idade do consentimento” para definir o momento em que as “ditas” crianças tem maturidade para tomar decisões sobre os seus actos sexuais, com todos os erros que a atribuição dessa “idade” na base de um critério cronológico puro, necessariamente envolve. Mas enquanto outros dados biométricos não sejam suficientemente credíveis, há que começar por algum lado. Em Portugal a idade do consentimento é 14 anos.

*Marc Dutroux pedófilo belga condenado em 1989, acusado da tortura e assassinato de várias crianças do sexo feminino, entre os 8 e os 14 anos.

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10.4.09


A Câmara Municipal inaugurava um parque de lazer na cidade. Uma parte substancial do orçamento desse projecto urbanístico, que recuperava para a população as margens de uma ribeira poluída e suja, fora gasto em pequenos bares, estruturas pedonais, lagos com peixes e equipamentos destinadas ao recreio das crianças.

Estas foram especialmente convocadas e comparecerem, para dar alegria e cor àquele espaço cívico, acompanhadas pelos pais e, monitores dos jardins de infância. Todos satisfeitos. Tiravam-se centenas de fotografias para recordação do momento.


O senhor de meia-idade, observava a alegria das crianças e também ele aproveitava para fotografar o ambiente geral. Tencionava mandar algumas fotos aos netos que viviam noutra cidade e não podiam estar ali.

Num determinado momento, apontou também a câmara fotográfica para um género de baloiço de jardim onde diversas crianças brincavam. Nisto, ouvia ao lado a voz de uma mulher – deduziu depois ser alguma monitora de jardim de infância -, que ordenava imperativamente às crianças: “-Saiam já daí, porque o senhor quer tirar uma fotografia!”. O dito senhor diz-lhe: “- Não se incomode a retirar as crianças. Eu tiro a foto mesmo assim!”. Mas mudou literalmente de cor, quando a tal monitora replicou: “-Mas eu é que não consinto que fotografe as minhas crianças!”

A foto (mais uma) foi tirada, porque o objectivo era ficar com a imagem do baloiço, onde outras crianças independentes das ordens da megera, e com os pais por perto, continuaram descontraidamente a encher o ar com os seus gritos de júbilo.


Eu sei que há coisas sobre as quais é mais avisado não escrever, em determinadas épocas psicológicas. É que há uma hiper-fobia psíquica para cada tempo. A deste é uma “histeria pedofilica compulsiva”. A ciência, não deve ainda ter tido tempo para dar um nome científico a esta fobia comportamental. Mas até se pode tolerar e tentar compreender o que estava dentro da pequena cabeça daquela mulherzita: a pedofilia é tema de abertura recorrente nos telejornais da noite, nas manchetes dos jornais, noticiários radiofónicos, e argumento para múltiplas telenovelas feitas para o grande público a que ela pertence. Multiplicam os relatos e as referências ao assunto, relatando supostos casos, apelos ao endurecimento das leis penais e testemunhos horrorizados do repúdio da sociedade por este crime. Enfim, criando medo social.
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2.4.09

Desemprego: À Espera de Godot


“Nada a fazer”. “Godot não virá hoje, talvez amanhã...”.
As palavras escritas por Samuel Beckett, ocorrem-me nesta conjuntura social em que a palavra “desemprego” se ouve e lê por todo o lado. E, talvez não nos apercebamos de que, de alguma forma, estão todos – economistas, Estados, incluídos – à “Espera de Godot”, para este nos devolver o “emprego” desaparecido.

O povo refere que há uma maneira de dizer e várias de entender. É o que se passa, por exemplo, com “emprego”. É uma palavra que tem o significado que tem, mas que, de modo algum, possui a abrangência suficiente para ser o sinónimo de “trabalho”. O emprego tem uma forte componente laboral, mas que não esgota todas as outras múltiplas formas do trabalho produtivo. Daí resulta imediatamente uma primeira falsa interpretação das normas do Direito que existem para regular e proteger o trabalho.

Não há, assegurado, um direito ao emprego pela mesma razão lógica de que o não pode haver igualmente para a empresa que o utiliza. Logo, o direito ao emprego, é realmente uma abstracção comum ao rol de boas intenções dos sindicatos; produz bom efeito visual quando escrito em faixas durante as manifestações de rua, mas não passa disso. De algo apenas virtual.

Há sim instituído, um direito ao trabalho. Só que este direito tem que ser interpretado de forma rigorosa. O seu cumprimento pressupõe apenas, que a todos é garantido o acesso ao mercado de trabalho e que cada um é livre de exercer a profissão que entender desde que esta esteja conforme com a lei geral. Só por uma interpretação distorcida e fantasiosa se poderia imaginar que, para assegurar o direito ao trabalho, o Estado fosse empregar todos os trabalhadores cuja ofício, especialidade ou aptidão laboral não fosse absorvida normalmente pelas empresas e pelo mercado de trabalho.

Compete sempre ao trabalhador vender essa sua aptidão, saber, conhecimento ou ofício, ao mercado supostamente “comprador” dos serviços de trabalhadores com uma arte ou saber específicos.

Cada qual pode fazê-lo de forma directa como trabalhador “independente”, ou de forma indirecta como trabalhador “dependente” – alienando nesta situação, durante um determinado período temporal, em troca de um salário -, o exclusivo do seu trabalho, a uma empresa, cuja hierarquia integra, a qual adquiriu o direito de o controlar laboralmente, e de lhe estabelecer metas de produção e normas de procedimento; se essa empresa não é o Estado, o trabalhador dependente -, agora na situação de “empregado”- fica ligado às contingências da empresa e do seu mercado, à sua evolução tecnológica e, em função de algumas delas, até admitir como possível, a dispensabilidade potencial da aptidão laboral que deu origem à sua integração na unidade de produção.

A escolha de uma profissão, ou em mais rigor, a escolha de um quadro de especializações profissionais polivalentes, nunca foi tão complexa como hoje. Durante mais de um século, várias gerações puderam trabalhar sob o mesmo tecto, para a mesma empresa, durante toda a sua vida. Hoje as coisas já não são assim. As pessoas, ao longo da sua vida laboral útil, vão ter que conhecer, muitas empresas, desempenhar profissões variadas, trabalharem mais e ganharem relativamente menos do que os seus pais e avós.

Portanto a reclamação sindical de um “emprego estável”, “com direitos” para todos (o que pressupõe a proibição da sua extinção unilateral), onde seja vedada por lei a rotatividade laboral, só é exequível internamente, isto é quando os sindicalistas, olham para o seu umbigo e o seu próprio emprego, e esquecem que já nada os liga ao mundo laboral que um dia abandonaram para seguir a carreira de sindicalistas profissionais. Quanto aos outros trabalhadores, mesmo os que pagam quotas aos sindicatos, ainda vão ter que aguardar muito por esse idílico mundo de trabalho. Até que Godot venha, num amanhã improvável!

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