Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

30.10.07

Brasil em Auto-Retrato



  • «O Brasil é um país que tem 10 vizinhos e não tem qualquer problema com fronteiras; um país que se fez através da inclusão das várias etnias que o formaram, um país misturado por excelência, um país em que a marca principal talvez seja a tolerância, a aceitação do outro, a aceitação do diferente.»
  • «Não há problemas de racismo no Brasil. Ai nós temos sempre uma grande discussão. Em primeiro lugar definir o que é o racismo? Nós não temos aquele problema quase “glandular” que se observa nalgumas sociedades. No Brasil não há o racismo nesse aspecto.»
  • «No Brasil existe evidentemente uma segregação social. É preciso não esquecer que há pouco mais de 100 anos atrás o negro era escravo, era mercadoria. Eu conheço um anúncio de um jornal que me foi mostrado pelo Guimarães Rosa: é uma página de um jornal do Brasil de 1870 que dizia assim: “vende-se uma negra, idade 25 anos, bons dentes, boa saúde, tantos mil reis. Acompanha-a uma cria”. Isto em 1870.»
  • «Os escravos foram libertados no Brasil em 1888 e eles são libertados de uma hora para a outra; eles não tinham nenhum tipo de qualificação, quer dizer, ficaram completamente marginalizados.
    E, na medida de uma sociedade escravocrata como a de então, uma sociedade onde o trabalho manual representava um horror para todas as outras classes – nenhum branco de boa família podia trabalhar.»
  • «Então isso foi-se introjectando na cultura brasileira cada vez mais. Quem trabalha só em trabalhos braçais ou seja, quem não trabalha só com a cabeça – quem não é advogado, profissional liberal etc., está na classe inferior.»
  • «Subsiste ainda esse tipo de descriminação que, note-se, não é contra o negro. É contra o pobre.
    O Brasil é um país que tem 190 milhões de habitantes. Desses 190 milhões quantos são negros? Ninguém sabe responder. O Brasil é considerado o segundo país negro do mundo. Depois da Nigéria, é o Brasil que tem mais negros. Quantos? Até isso no Brasil é dificil definir. O que é o negro?»
  • «Nesse momento estão se criando muitos problemas relacionados com o estabelecimento de quotas para negros nas universidades. Eu não estou de acordo com isso, porque num país onde não se consegue sequer definir o "negro". Porque 85 % do sangue que corre nas veias dos brasileiros tem algum componente negro. Então, de repente, como é que se vai definir o negro no Brasil? É aquele que é moreno, quantas gerações, etc.»
  • «Nos Estados Unidos quem tem uma gota de sangue negro, é negro. No Brasil, quem tem uma gota de sangue branco, é branco, ou no mínimo se considera branco. No fundo o que acontece, é uma segregação que não tem a ver com a cor; tem a ver com a condição social da pessoa. O grande problema do Brasil é reduzir as enormes diferenças económicas existentes entre os brasileiros.»
  • «Quando nós falamos do Brasil, estamos realmente falando de diferentes países em termos de nível social. No exterior, quando me perguntam sobre o Brasil, eu digo logo: de que Brasil estamos falando? Nós temos o Brasil da Idade da Pedra praticamente, que é o Brasil ainda desconhecido de certas regiões remotas da Amazónia. Nós temos o Brasil de S.Paulo; não estou falando da cidade de S.Paulo, estou falando do Estado de S.Paulo, que tem duas vezes e meia a dimensão de Portugal, que por si próprio é, isoladamente, uma grande potência do primeiro mundo. Entre o Brasil da Amazónia e o Brasil de S.Paulo, há muitos "Brasis" diferentes. No Brasil a disparidade económica entre regiões é forte de mais. É preciso diminuir isto.»
  • «O que é isso de ser brasileiro? Eu sou radicalmente brasileiro mas tenho consciência absoluta das deficiências brasileiras, assim como sou o primeiro a reconhecer as qualidades. O brasileiro, a meu ver, é um povo um pouco adolescente. Reage como um adolescente. É muito imaturo de certo modo. Está naquela fase de transição em que nem é adulto completamente, nem é criança mais.»
  • «Isso reflete-se em quê? Primeira coisa: o brasileiro acha que o mundo nasceu no dia em que ele nasceu, como o adolescente também acha. Não sabe qual vai ser o seu futuro, mas “sabe” que vai ser um futuro brilhante. Isso é uma qualidade? Certamente, mas só quando não é exagerado.»
  • «O brasileiro é aquele que vai ao estádio de futebol, vê o Brasil jogar e antes de começar o jogo, toca o hino nacional. Então ele - o brasileiro não pôe a mão no peito - ele canta o hino, ele se arrepia todo de ouvir o hino dele, mas se então quiserem tocar a segunda parte do hino que é a repetição da primeira, aí ele vai começar a vaiar, porque ele não está ali para isso, ele está ali para ver futebol. E há pragamtismo nesta atitude. O símbolo (o hino) é um símbolo, mas não substitui a vida.»

    Transcrição resumida de um entrevista ao programa de rádio «Quinta Essencia» pelo diplomata brasileiro Lauro Moreira, actual embaixador do Brasil junto da Comunidade dos Países de língua oficial portuguesa (CPLP). Ao longo da sua carreira o embaixador esteve ao serviço do estado brasileiro em Buenos aires, Genebra, Washington, Barcelona, Marrocos e Portugal

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