Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

12.12.08

Professor é ... (3)


Antes de 1901, em Portugal professor era alguém que era suposto ter saber e competência para ensinar aqueles que frequentavam a escola. Para exercer essa função, o professor submetia-se a concurso público, ou, na maior parte dos casos, porque era convidado pela comunidade para essa função. Ser professor em dedicação exclusiva conferia algum estatuto social.

Os que ensinavam as primeiras letras no escalão mais baixo do ensino, eram chamados mestre-escola. Em escalões superiores, além de professores permanentes, era também vulgar verem-se ali, advogados, médicos, sacerdotes, artistas, c militares, estes em tempo parcial e para ministrar algumas “disciplinas” específicas.

Nesse ano de 1901 o governo Hintze Ribeiro reforma o ensino primário que passa a ser obrigatório e gratuito, concluindo-se com o exame do 1º grau (3ª classe). Aos professores passa a ser exigida uma habilitação formal mínima. Eram reflexos do profundo estudo sobre o ensino realizado cinco anos antes pelo pedagogo Jaime Moniz que, em missão de estudo visitou 28 países, acabando por escolher o método alemão como o mais adequado a Portugal. A título de curiosidade, diga-se ainda que, por essa altura, o vencimento dos professores continua a manter-se o mais baixo da função pública.

Depois do decreto de Hintze Ribeiro passou a ser exigida uma habilitação mínima para ser professor. E bem. Só que a partir daí as coisas evoluíram no pior sentido. Insistentes períodos recessivos na economia, desemprego endémico, maior afluência das mulheres ao mercado de trabalho, subida do nível salarial das remuneração aos professores, e, sobremaneira, o aconchego e segurança que dava um vínculo à função pública, tornaram o ensino extremamente atraente para quem completava os seus cursos escolares. E a procura de agentes de ensino, foi crescentemente superada pela oferta, agora exclusivamente por pessoas que apenas tinham para exibir algum currículo académico.

Aí aconteceu o grande equívoco em que assenta a escola pública (não a privada). O raciocínio primário e profundamente errado, de que quem sabe, sabe ensinar. Então assistiu-se a que a escola passou a integrar nos seus quadros docentes, os professores melhor curriculados, ainda que muitas vezes autênticas aberrações em termos pedagógicos, comportamentais e até éticos. São os chamados “erros de casting” que a lei, na sua rigidez e universalidade, não tem flexibilidade suficiente para impedir.

E são muitas estas situações, potencializadas ainda pelo facto de muitas pessoas procurarem o ingresso no ensino, não por vocação própria mas, para além dos pólos de atracção acima referidos, o fazerem a título temporário e apenas enquanto “lá fora, no sector privado”, não surge a oportunidade porque anseiam. São professores-milicianos. Conhece alguns? Eu conheço muitos!

A escola acolhe-os, mas outro tanto não se passaria no mercado de trabalho exterior. O conhecido empresário Belmiro de Azevedo é pragmático: «... um qualquer quadro que declare ter feito um MBA logo a seguir ao curso e não apresente experiência profissional, na Sonae, nem sequer passa da porta”.

Enquanto o critério actual para recrutamento de professores não for diferente, fica a frase-desencanto de Vasco Pulido Valente: “As pessoas são obrigadas a deixar os filhos nas garagens que são hoje as nossas escolas

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7.12.08

Posso tratá-lo por ...?


Diz-se que em Portugal há doutores a mais. Acho que não. Doutores, doutores mesmo, no sentido de pessoas de elevada competência técnica e sabedoria nas áreas que escolheram, há poucos – e fazem falta ao país e ao seu desenvolvimento. O que há, e aqui eu concordo integralmente com o académico e escritor Arnaldo Saraiva, é, “doutores a menos e doutores da mula russa a mais”.


Ser doutor em Portugal, dizia Vergílio Ferreira, é uma vingança da classe média” que à falta, e por sentimento de carência, de títulos aristocráticos tradicionais, acha que não devem prescindir do tratamento de doutor, engenheiro, arquitecto e por aí fora. E até, quando um desses “diplomas” se encontra particularmente desgastado, por razões conhecidas, como é o de “advogado”, eles modernizam-no: passam a “juristas”.


O “doutorismo” português é a evidência de que não estamos ainda tão distantes assim das nossas raízes rurais e uma reminiscência tardia da divisão de classes, próprias das sociedades rurais: o trabalhador da terra, versus o senhor Morgado, o senhor Doutor, o senhor Abade, a senhora Viscondessa, a senhora Dona, o senhor Comendador, etc.


Há anos, eu próprio assisti no interior profundo do país, a uma cena exemplar: encontrava-me como convidado de um amigo, na Casa de Quinta da família dele. A certo momento o telefone tocou. Era o pai do meu amigo, que queria dizer algo ao feitor da quinta. Chamámo-lo de longe e o homem veio. Informámo-lo do motivo porque o tínhamos chamado e o rústico, pouco à vontade, lá se dirigiu para o local onde estava o aparelho. Levantou o auscultador e perguntou – É o Senhor Doutor?... Logo após ter obtido a confirmação do outro lado da linha, o homem, por irresistível impulso, tirou respeitosamente o boné da cabeça antes de prosseguir.


Os “senhores doutores” tratam-se mutuamente por “senhores doutores” para darem o exemplo e transmitirem a mensagem pedagógica de que o respeitinho pelas licenciaturas é muito bonito.


Querem rir-se um pouco? Oiçam os diálogos nas comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República. Oiçam o “senhor doutor” Vítor Constâncio a explicar que o “senhor doutor” X não estava suficientemente informado sobre qualquer coisa, ou, por fim, oiçam as palavras de abertura de dois “cromos” destas doutorices, nos cumprimentos e saudações trocadas entre o “senhor doutor” Carlos Magno (sic) e o “senhor doutor” Carlos Amaral Dias (sic) no programa da RDP, Alma Nostra, que por vezes oiço em podcast. Oiçam, para ver quanto somos pequeninos, acomodados e ridículos.

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5.12.08

Professor é... (2)


Os melhores professores estão na rua em luta com o Ministério da Educação, ouvi eu dizer a um jovem deputado, da Direita. - Está enganado meu amigo! Não percebeu patavina da questão! - Quem está na rua são os piores professores! - Os restantes andam por ali feitos “Maria vai com as Outras” por pura solidariedade corporativa ou porque ainda perceberam menos o fenómeno, que o deputado!

Esses professores que protestam, têm toda a minha tolerância e compreensão. Inteligentes como a maioria é suposta ser, recusam ser avaliados, (não porque esta – ou qualquer outra - agitação é sempre conveniente aos sindicatos comunistas) mas porque qualquer avaliação os iria penalizar, "injustamente", na carreira. Com inteira razoabilidade, fazem a interpretação de que não têm que ter qualquer sentimento de culpa, da modéstia ou mediocridade do seu desempenho como docentes.

A responsabilidade dessa fraca prestação, aqui também, cabe exclusivamente ao sistema educativo jacobino que os formou – o tal que, igualmente recusa desde o primeiro momento, ser ele mesmo seriamente avaliado, tal a superioridade moral que lhe atribuem os seus prosélitos.

Este sistema, em linhas gerais o actual, ao que recordo, começou com uma tal reforma Veiga Simão - pessoa de cujas credenciais pedagógicas específicas, pouco mais se consegue retirar do que uns título académicos na área das engenharias e ter sido reitor de uma Universidade em Moçambique.

Desta reforma, brotou o eduquês como linguagem iniciática e, por arrastamento, uma multidão de teóricos, mais ou menos líricos, sobre os objectivos do ensino num país como Portugal; vieram ainda legiões de nulidades que ajudaram a completar a obra que é hoje a escola pública, dita, "escola inclusiva".

Tudo isto incita-nos a observar mais de perto essa tal escola inclusiva, que deu a formação de base que deu, aos professores que agora recusam – porque temem – ser avaliados. Há algo mais a dizer realmente ...

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