Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

7.12.08

Posso tratá-lo por ...?


Diz-se que em Portugal há doutores a mais. Acho que não. Doutores, doutores mesmo, no sentido de pessoas de elevada competência técnica e sabedoria nas áreas que escolheram, há poucos – e fazem falta ao país e ao seu desenvolvimento. O que há, e aqui eu concordo integralmente com o académico e escritor Arnaldo Saraiva, é, “doutores a menos e doutores da mula russa a mais”.


Ser doutor em Portugal, dizia Vergílio Ferreira, é uma vingança da classe média” que à falta, e por sentimento de carência, de títulos aristocráticos tradicionais, acha que não devem prescindir do tratamento de doutor, engenheiro, arquitecto e por aí fora. E até, quando um desses “diplomas” se encontra particularmente desgastado, por razões conhecidas, como é o de “advogado”, eles modernizam-no: passam a “juristas”.


O “doutorismo” português é a evidência de que não estamos ainda tão distantes assim das nossas raízes rurais e uma reminiscência tardia da divisão de classes, próprias das sociedades rurais: o trabalhador da terra, versus o senhor Morgado, o senhor Doutor, o senhor Abade, a senhora Viscondessa, a senhora Dona, o senhor Comendador, etc.


Há anos, eu próprio assisti no interior profundo do país, a uma cena exemplar: encontrava-me como convidado de um amigo, na Casa de Quinta da família dele. A certo momento o telefone tocou. Era o pai do meu amigo, que queria dizer algo ao feitor da quinta. Chamámo-lo de longe e o homem veio. Informámo-lo do motivo porque o tínhamos chamado e o rústico, pouco à vontade, lá se dirigiu para o local onde estava o aparelho. Levantou o auscultador e perguntou – É o Senhor Doutor?... Logo após ter obtido a confirmação do outro lado da linha, o homem, por irresistível impulso, tirou respeitosamente o boné da cabeça antes de prosseguir.


Os “senhores doutores” tratam-se mutuamente por “senhores doutores” para darem o exemplo e transmitirem a mensagem pedagógica de que o respeitinho pelas licenciaturas é muito bonito.


Querem rir-se um pouco? Oiçam os diálogos nas comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República. Oiçam o “senhor doutor” Vítor Constâncio a explicar que o “senhor doutor” X não estava suficientemente informado sobre qualquer coisa, ou, por fim, oiçam as palavras de abertura de dois “cromos” destas doutorices, nos cumprimentos e saudações trocadas entre o “senhor doutor” Carlos Magno (sic) e o “senhor doutor” Carlos Amaral Dias (sic) no programa da RDP, Alma Nostra, que por vezes oiço em podcast. Oiçam, para ver quanto somos pequeninos, acomodados e ridículos.

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