Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

23.9.08

A Mosca


Esta é uma história de vida que não se apagará da minha memória. Vivi-a no início dos anos setenta do século passado, no restaurantezinho simpático (não sei se ainda existe), numa rua que liga a Praça onde está a Sé da Guarda, e dá saída da cidade em direcção à então, chamada Estrada da Beira. Lembro-me perfeitamente que, em frente ao restaurante ficava um posto de abastecimento de combustível que era, simultaneamente, “stand” de vendas da Ford Lusitana.

Almoçava ali pela primeira vez. O restaurante era recente e tinha-me sido recomendado. A sala encontrava-se bastante preenchida, com quase todas as mesas ocupadas. Serviam à mesa umas rapariguitas com ar provinciano, notoriamente inexperientes na actividade e pouco à vontade.
Ao fundo, de pé, um senhor que imagino ser o dono do restaurante observava o decorrer do serviço.

Por esse tempo, qualquer refeição num restaurante era geralmente acompanhada de vinho e terminava com um café e uma aguardente qualquer ou simplesmente um bagaço.
Ainda não tinha sido inventado esse “crime” moderno, a que o fundamentalismo securitário chama de “condução sob efeito do álcool".

Desafio, ainda hoje, qualquer um a demonstrar-me que a sinistralidade rodoviária de então - vista sob o ângulo estatístico que quiserem - , resultante de uma condução automóvel sobre estradas más e automóveis com a tecnologia da época quanto a segurança; alguns novos, a maior parte já com bastante uso e outros até verdadeiros “chaços”; rodando com os pneus da época ( algumas vezes carecas), sem cintos de segurança, inspecções obrigatórias e um Código de Estrada incomensuravelmente menos draconiano e punitivo do que o actual - desafio, repito, a que me demonstrem que a sinistralidade era maior do que actual. Provem-me que estou errado!

Por essa altura, nos “média” que então ainda não se chamavam assim, viam-se anúncios a produtos que hoje constituiriam chocantes heresias: a marcas de cigarros, a bebidas entre as quais aguardentes, etc. Uma conhecida marca vinícola portuguesa, publicitava uma aguardente envelhecida comercializada com o nome de “Mosca” (julgo que ainda existe e o nome tinha origem em “moscatel”), então muito popular e obrigatória nas garrafeiras de cafés e restaurantes. O slogan que se ouvia e lia por todo o lado incitava: “...uma Mosca com o seu cafezinho!

Naturalmente no final do almoço a que me refiro, a empregada, depois de levantar os pratos, apesar da sua relativa inexperiência, fez a pergunta clássica: - “Toma café?” – “Sim”, respondi – “e traga-me também uma Mosca por favor!”.

Como dentro em pouco iria constatar, a pobre rapariga, não fazia a mínima ideia de que aquele fosse o nome de uma bebida. Mas isso então, nem sequer me passou pela cabeça.
Ao ouvir o meu pedido, olhou-me de uma forma esquisita e o rosto dela começou a enrubescer. Fica, olhando-me em silêncio. Eu também a olho, sem compreender a razão da perturbação da pobre pequena. Até que ela, muito atrapalhada, me pergunta com um tom de voz exclamativo:
- “Uma mosca?!!! .... mas,... daquelas que (sic) avoam” (voam)?

Ao compreender a razão da perturbação da rapariga, não pude conter a maior gargalhada que dei em toda a minha vida. Mais, descontrolei-me tão completamente que não conseguia parar de rir; a certa altura, nervosamente, eu já soluçava mais do que ria. A rapariga olhava-me, atrapalhada e ainda sem compreender. É então que responsável do restaurante vê de longe que, qualquer coisa muito esquisita se estava a passar com aquela mesa e aquele cliente. Dirige-se-me e, é ainda com soluços, que tento explicar-lhe a situação.

Manifestamente incomodado com o lado profissional do incidente, desfez-se em explicações para justificar a ignorância da empregada, e deu-lhe instruções para me trazer a tal “mosca” que eu tinha pedido.
Ao sair, era tal a minha simpatia pela ingenuidade daquela empregada de mesa, que deixei na mesa, talvez a maior gorjeta que alguma vez dei em toda a vida. E não esqueci o incidente. Quem, como eu, vive um momento único como este, não o esquece jamais.

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