Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

8.10.08

Uma Tulipa para o "Subprime"


“Uma empresa Financeira, um Banco, não vive como o comum das pessoas, porque essas entidades não comem carne ou respiram ar. Respiram lucros; comem os juros sobre o dinheiro. Se os não tiverem, morrem ;(...) o Banco - o Monstro - tem de recolher sempre mais lucros. Não pode esperar. Os juros tem que estar continuamente a subir porque quando o Monstro para de crescer, morre. Não pode estar sempre do mesmo tamanho.(...) O Banco, é alguma coisa mais do que uma obra dos homens. Acontece que todos os homens odeiam o que o Banco faz e, todavia, o Banco continua a fazê-lo. O Banco é uma coisa que fica acima dos homens, acreditem. É o Monstro. Os homens fizeram-no mas não o podem controlar!” (John Steinbeck – As vinhas da Ira)

A memória deste texto ocorre-me, a propósito da crise financeira que varre agora o planeta. Vem, sem surpresa, dos Estados Unidos. Começou há mais de um ano e, ao que nos querem fazer crer, é uma reacção em cadeia, do fracasso de um tal “subprime”, um dos múltiplos “produtos financeiros”, que uns quantos especuladores imaginosos inventam a cada instante, para fazer crescer o Monstro a que Steinbeck se refere.

- Chamar “produto” aquilo, sempre me fez sorrir! É que tais “produtos” jamais “produziram” ou acrescentaram o que quer que fosse a algo concreto, para além de lucros para o sector financeiro, e custos para os produtos e serviços da economia real.
Digo dos Estados Unidos sem surpresa, porque na economia deste país, 1% do PIB de 10 triliões de dólares vem da agro-pecuária e apenas 24% vem da indústria. Portanto, 75% do PIB americano vem de serviços e grande parte destes, são especulações financeiras.

O grande negócio da América ... são os negócios! - dizia um conhecido escritor americano. Na realidade os Estados Unidos comportam-se como uma empresa mundial de negócios financeiros. Os dólares são as suas acções.
O grande problema está em que esta economia que tem por base a especulação, tem hoje um dimensão que domina, esmaga e asfixia a economia convencional. Pelas bolsas de todo o mundo passam por dia triliões de euros. Deste quantitativo, só cerca de 7% não é especulativa.

No mundo financeiro de hoje tudo se baseia em expectativas, na virtualidade; melhor, numa cadeia de expectativas: - Uma determinada instituição regista lucros, contabilisticamente baseados em expectativas (sobre o comportamento de “créditos”, “futuros” , “derivados” etc.), expectativas validadas por empresas de “Rating” e pelos chamadas "Bancos de Investimento".

Então, aceita títulos emitidos por uma segunda instituição, ou, por sua vez coloca títulos numa terceira. Tudo baseado em expectativas sobre o funcionamento do mercado, que se tem sempre, não só como infalível mas, como objecto da crença infantil de que se pode cavalgar uma onda que nunca se desfaz na areia da praia.

Depois, quando num dos pontos da cadeia de expectativas, alguém deixa de pagar por qualquer razão ou os ingredientes fundamentais da “confiança” e do “optimismo económico”são abalados ... as peças do dominó vão caindo e arrastando todas as outras na queda. Assim nasce uma crise financeira.

Um desses fenómenos clássicos e um verdadeiro “study case”, foi a febre especulativa que se manifestou com intensidade na Holanda do XVII, motivada pelo enorme tráfico económico que teve lugar, em torno a um artigo tão simples como a tulipa. Esta planta, converteu-se durante o primeiro terço do sec. XVII num objecto de veneração para os holandeses.

Foi uma dessas estranhas modas, tão correntes na época actual, que pegou quase repentinamente, sem que se conheça com certeza a razão. O facto é que, a partir de 1630, o snobismo dos primeiros momentos começou a adquirir tons de pura e simples especulação. Cada dia era maior o número de pessoas desejosas de adquirir exemplares desse bolbo, já não por razões decorativas, senão com o propósito de vendê-los a um preço superior, não tardando em desenvolver-se em torno das tulipas, um autêntico mercado bolsista no qual participavam indivíduos de todas as condições sociais.

As Bolsas das principais cidades holandesas converteram-se assim no cenário de transacções, em que se pagavam milhares de florins por exemplares de tulipas que, convertidos já em um valor abstracto ao modo das acções actuais, ninguém havia chegado a ver, nem o comprador, nem o vendedor, nem muito menos o agente bolsista.

A histeria especulativa foi em aumento, impulsionada pelo facto de que, como em todo negocio de essa índole, o incremento injustificado e vertiginoso da cotação fez que, em principio, toda a gente obtivesse lucros. Ao ponto que muitas pessoas chegaram ao extremo de hipotecar todos os seus bens para investir o numerário assim obtido em tão lucrativo negocio. Claro que, no final, acabou por ocorrer o inevitável em todo processo de especulação montado em torno de um objecto carente de valor intrínseco, e cuja valorização resulta ser puramente fictícia. À vertiginosa subida dos preços sucedeu uma queda ainda mais vertiginosa, o que implicou a bancarrota absoluta para centenas de famílias.

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