Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

16.3.07

Uma Cultura Underground Brasileira



Você é do PCC?(*) - Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível ... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

Mas a solução seria? - Solução? Não há mais solução, cara... A própria ideia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos biliões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento económico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice e do Judiciário, que impede punições. (nós fazemos até Conference Calls entre presídios...) Ou seja: é impossível. Não há solução.

Não tem medo de morrer? - Você é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... Mas eu posso mandar matar vocês lá fora... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.
Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?
Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... Mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua.
Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, Internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

O que mudou nas periferias? - Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... Ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos.
Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

Mas o que devemos fazer? - Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas...
O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC ?
Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete anti tanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... P’ra acabar com a gente, só jogando bomba atómica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou? Ipanema radioactiva?

Mas... não haveria solução? - Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogni speranza voi che entrate!" - Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.



Entrevista dada ao Jornal O GLOBO – Coluna Arnaldo Jabor - por "Marcola", o líder do PCC

(*) O Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma organização de criminosos existente no Brasil, criada para supostamente defender os direitos de cidadãos encarcerados no país. Surgiu no início da década de 1990 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, local que acolhia prisioneiros transferidos por serem considerados de alta periculosidade pelas autoridades.
Hoje a organização é comandada por presos e foragidos principalmente no Estado de São Paulo. Vários ex-líderes estão presos (como o criminoso Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo Marcola, que atualmente cumpre sentença de 44 anos, principalmente por assalto a bancos, no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes e ainda tem respeito e poder na facção).
O PCC conta com vários integrantes, que financiam ações ilegais em São Paulo e em outros estados do país. [Fonte: Wikipedia]

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