Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

11.3.07

Os Cravos Loucos do Abril 74 (5)


Quando Sequestraram o Parlamento - Parte III


(...continuado) Foram horas intermináveis, durante as quais ocorreram detalhes e pormenores que mais vale tentar esquecer. Outros valerá a pena recordar, para que tenhamos na mente, como foi todo esse tempo em que a Democracia foi tão mal tratada. Eu, cidadã e desconhecida funcionária de um Gabinete da Assembleia da República, não esquecerei nunca, a maneira ignominiosa e revoltante como fui obrigada a deixar as instalação da Assembleia.
O deputado Barbosa de Melo, em nome do nosso Grupo Parlamentar, tinha-se recusado, a abandonar assim, sem um mínimo de dignidade e de segurança física, a Assembleia. Queria que se reunisse o Plenário e que ali, no Hemiciclo, aguardássemos até serem garantidas as condições de segurança para sairmos com dignidade.
Nada disso aconteceu, e fomos informados que teríamos de abandonar a Assembleia – que éramos obrigados a abandonar a Assembleia – pois a segurança física dos sequestrados, estaria em perigo a partir desse momento.

Recordo-me que fui das últimas a sair. Não por heroísmo, mas porque tive que arrumar ainda algumas coisas no Gabinete. No hall grande da entrada, estavam os negociadores dos manifestantes e alguma polícia, que entreabria o portão e nos fazia sair um a um.
É esta a imagem que guardo daquele “sequestro”. É isso que me marcou dolorosamente naquele dia: quando olhei em redor, e vi caras e pessoas que me mereciam o maior respeito e admiração, - não só do meu Partido mas dos outros também -, pessoas que ali dentro tentavam defender não apenas os interesses de toda a população, mas também uma Revolução que todos nós tínhamos querido, serem insultadas e maltratadas por uma turba desenfreada de ódio e, de sentimentos recalcados.
Uma imagem inesquecível, ver à minha frente os cabelos brancos do dr. Nuno Rodrigues dos Santos, um homem que tanto lutou contra o anterior regime, muito mais do que qualquer daqueles que agora ali o apelidavam de fascista, com as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos. A mim própria perguntei. “É isto a Democracia? Será este o resultado do 25 de Abril?»
No dia seguinte em frente à Assembleia reinava o caos. O espectáculo era degradante. Os manifestantes que ali tinham estado deixaram atrás um espectáculo miserável. Durante toda a noite ali tinham feito as suas necessidades físicas, tinham acendido fogueiras, que deixavam as pedras dos muros e estátuas negras de fumo. Por todo o lado só se via lixo, e levaram-se semanas para que o relvado e as escadarias em frente ao Palácio de S.Bento adquirissem novamente o aspecto digno e respeitoso que mereciam.

Esta, a minha vivência do sequestro da Assembleia da República em 12 de Novembro de 1975, feito pelo PC e seus apoiantes. Deixo-a aqui. Para que a memória se não perca.

Texto de Maria José Moreira Rato - Jornal Tempo

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