Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

20.2.07

Os Cravos Loucos do Abril 74 (1)



O Advogado Fascista

Fins de 1974. O advogado de Lisboa necessitava de uma dactilógrafa. Publicou um anúncio no Diário de Notícias, convidando as candidatas a apresentarem-se no seu escritório, num 2º andar da baixa lisboeta, às 15 horas de um determinado dia.
Nesse dia, quando o advogado chega à porta da rua do velho prédio onde se situava o escritório, depara-se-lhe um espectáculo insólito: a escada do prédio estava completamente ocupada com candidatas ao emprego, de tal modo que teve dificuldade em chegar à sua porta.
A explicação para o fenómeno, era o desemprego que já grassava fortemente no país, razão porque qualquer anúncio oferecendo colocação, tinha invariavelmente centenas de respostas.
Incomodado com o que acontecia, que obstruía por completo o acesso ao seu gabinete, chama a secretária e ordena-lhe: -«escolha rapidamente entre as três ou quatro primeiras uma dactilógrafa, e mande embora as restantes porque esta enchente não pode manter-se!»..»
A secretária assim fez.

Então foi à porta do escritório e anunciou: -«Já foi escolhida uma dactilógrafa. Podem ir-se embora!» Mal a frase havia terminado, uma onda de protestos reboou. -«Ir embora, o quê?! Então pensam que isto é como antigamente?! Então mandam vir as pessoas cá, e depois escolhe-se uma só pelos lindos olhos?! Isso era no tempo do fascismo, agora a gente não vai nisso!... Fascista, é o que o seu patrão é! »
O alarido era tal que o advogado vem à porta ver o que se passa. É recebido por uma imensa vaia da «justa indignação popular», em que a palavra «fascista» era insistentemente gritada por dezenas de bocas em fúria. Só teve tempo de fechar a porta para se colocar em segurança.
Mas, uma vez dentro do escritório, não sabe o que fazer, porque, do outro lado da porta, a onda da «justa indignação popular» não abrandava. E, pior do que isso, os transeuntes na rua, começavam também a aglomerar-se. «Há um fascista, lá em cima no 2º andar começou a correr de boca em boca».
Nesses tempos de grande excitação revolucionária, acontecia com frequência certas pessoas serem denunciadas por populares na rua como «Pides» ou «fascistas». Normalmente isso provocava gritos e correrias, que quase sempre acabavam na esquadra da polícia mais próxima, onde a pobre vítima da ira popular era identificada e depois mandada em paz.
O infeliz advogado sabia disso, mas não sabia o que fazer. Decide telefonar à polícia. Chega um carro com dois guardas. Descem do carro, olham em volta, ouvem os gritos de «fascistas», «fascistas» e percebem, que se permanecessem muito mais tempo onde estavam, corriam o risco de ser eles próprios, atacados pelas massas populares antifascistas. Abandonam rapidamente o local sob os insultos da multidão.
Lá em cima no seu escritório, o advogado assiste à cena. Começa a ficar inquieto. Volta a telefonar à polícia. De lá dão-lhe uma receita mágica: -«Olhe meu amigo, só tem uma solução, é telefonar para o COPCON» (de Otelo Saraiva de Carvalho).
Assim faz. De facto, minutos depois, surge um carro blindado «chaimite» com soldados e um tenente. São saudados pelos habituais gritos entusiásticos de «O Povo Está Com o MFA» (Movimento das Forças Armadas), e a palavra de ordem «-Está lá em cima um fascista», «tem que ser preso».
A patrulha atravessa a multidão e chega ao escritório onde se refugiava o perigoso «fascista». O tenente que a comandava compreende rapidamente a situação e toma a decisão adequada: propõe ao advogado deixar-se efectivamente prender para, deste modo, acalmar o povo.
Assim aconteceu: assomando à janela, o tenente anunciou que «o fascista» tinha sido preso e que o ia levar para as instalações do COPCON. Depois, enquadrado pelos militares, o infeliz refém «fascista» lá desceu a sua escada, no meio das imprecações das massas populares e entrou na viatura militar que, um km depois, parou, para libertar o «inimigo do povo» que lá foi à sua vida, meditando nos perigos que, em épocas revolucionárias, espreitam os imprudentes que publicam anúncios no «Diário de Notícias» pedindo dactilógrafas...

Sinopse sobre um texto de António Maria Pereira para o semánário Tempo

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