Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

10.1.10

Histórias da Pequena Corrupção à Portuguesa



Um amigo, importador de produtos químicos para a indústria textil, pediu-me para o introduzir em algumas empresas de lanifícios junto das quais eu tinha contactos e conhecimentos. Nessa linha, um certo dia dos anos 80 estávamos ele e eu, perante o Mestre João - um homem simples e de rudimentar instrução - que era quem fazia as compras daquela fiação de fio cardado.

As diversas matérias primas-têxteis, componentes do fio que vai ser produzido, começam por ser dispostas em camadas umas sobre as outras para assegurar uma boa mistura final, e pulverizadas camada a camada, com um lubrificante apropriado, - está a ver-se que o meu amigo importava um desses lubrificantes -  que posteriormente facilitará o processo mecânico e reduzirá a indesejada quebra das fibras têxteis durante o processo;  a mistura lotada,  passa em seguida por uma pequena máquina de tambor rotativo, a partir da qual vai iniciar-se todo um processo que passará pela cardação e posterior fiação da matéria-prima.

A operação de cardação propriamente dita, é realizada por uma bateria de máquinas que accionam cilindros de vários diâmetros, todos eles revestidos com uma tela especial (muito cara) com finas puas de aço – dito “o puado” –, a quem compete desagregar as fibras têxteis da mistura e tanto quanto possível paralelizá-las, apresentando-as na sua fase final, já sob a forma de rolos de mechas devidamente calibradas e prontos para alimentarem as máquinas de fiação.

Para lubrificar as matérias-primas a cardar, Mestre João utilizava um produto tradicional - a “oleína” – uma substância orgânica e gorda proveniente de óleos vegetais. O meu amigo esforçou-se por convencê-lo a mudar para os novos “óleos sintéticos”, que tinha sobre a oleína vantagens e vantagens, ...um nunca mais acabar. Ao sairmos, o meu amigo vinha com uma encomenda de um tambor de 200 litros do seu fantástico “óleo sintético” que iria, dali em diante substituir o lubrificante ali usado.

Semanas mais tarde, Mestre João telefona-me aparentemente em pânico: – «Uma desgraça! Nem imagina!..» – «O lubrificante que F.. (o meu amigo) vendeu para aqui, estragou completamente o “puado” das cardas, que vai ter que ser substituído! – É um prejuízo enoooorme!...»

Fiquei preocupado. Tinha a noção de quanto custava um revestimento do puado de cada “carda”. Telefonei a F.. alarmado:  – «E agora!?». Para minha estranheza, o seu comentário foi calmo – «Ah! Já sei o que aconteceu! Desculpa, esqueci-me na altura!...» - A calma dele deixava-me completamente confuso. – «Tem paciência...» – diz-me ele – «Vai lá falar com o Mestre João e diz-lhe que esteja descansado porque “aquela parte” do costume, é para ele como já se sabe. É que só por esquecimento não lhe falei aí nisso. Quando passar de novo já lhe levo o dinheiro!.»
 
Fui, algo receoso do acolhimente que me esperava. Falei com o Mestre João, expliquei-lhe. Aceitou tudo sem problema de maior. Quando me preparava para sair, acompanhou-me à porta e disse: - «Olhe, para compensar o seu transtorno de ter que cá vir, diga a F que me pode mandar outro tambor do produto !...» - Céus, como aprendi! Afinal todo aquele problema, tinha uma solução simples: Luvas!. “Puado” a auto-regenerar-se assim tão instantaneamente, nem eu nem ninguém viu certamente mais.



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