Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

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Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

12.1.10

Adagio para um Coronel Louco - II



Pelo regulamento de disciplina militar, um oficial superior possui “palavra de honra”, significando que, em caso conflito disciplinar, a sua palavra basta e não há oportunidade para contraditório; já o mesmo privilégio não era concedido aos militares de baixa patente, como era o caso.

Porém, contrariando todas as previsões a “queixa” do Cabo miliciano, seguiu o seu caminho e em consequência do “auto” produzido, o Major viu registado no seu currículo militar uma “advertência” e foi coercivamente transferido para outra unidade. Para entendermos este desfecho, vamos ter que conhecer os protagonistas. Vamos ter de situarmo-nos no tempo e no ambiente em torno dos  acontecimentos. Comecemos por aqui.

Decorria o mês de Maio de 1958. Humberto Delgado tinha-se apresentado como candidato à Presidência da República. Percorria o país despertando enorme entusiasmo popular. Para trás ficara já o “obviamente demito-o”; as recepções apoteóticas no Porto e na estação de Santa Apolónia quando do seu regresso à capital iriam suceder-se noutros locais. O seu staff de campanha programara uma viagem eleitoral à Covilhã.

O Ministério da Guerra preocupado, dera antecipadamente ordens para a convocação de reservistas e a colocação dos quartéis em prevenção simples. Na tarde do dia em que a caravana do General Delgado ia passar na rua onde se encontra o edifício do então Batalhão, o Comandante deu tardiamente ordem para que fosse encerrada a Porta d’Armas do quartel. Tarde demais porque entretanto, dezenas de soldados – sobretudo entre os reservistas mobilizados – já atravessavam o portão e se colocavam na rua vitoriando a caravana de Delgado. É neste enquadramento temporal que decorre o incidente da bofetada.

Para o Major Castelo Branco de onde partiu a agressão, parecia estar guardado o papel de vilão. Não era bem assim. De pequena estatura, magro e ágil, era uma pessoa extremamente nervosa e impulsiva, mas, num ambiente militar em que nos patamares mais elevados, os maus são em maior número que os bons, ele decididamente não pertencia aos primeiros. Aquele seu acto de histeria nervosa, resultou de um acumular de tensões dentro dele, induzidas pelo seu superior imediato (melhor dito – tirano imediato) que, por ironia, apenas ostentava nas platinas da farda mais um galão que os seus, de Major, mas que o aterrorizava psicologicamente, tal como a vários outros – o Comandante do Batalhão.

O comandante da Batalhão de Caçadores 2 era um tenente-coronel - Peraltinha de seu nome. Personalidade estranhíssima, de cariz marcadamente psicótico. Poucos o conheciam no Batalhão e praticamente ninguém na Covilhã. Um misantropo, solteiro, sem amigos conhecidos, vivia entre o seu gabinete no quartel, o automóvel oficial com motorista que o transportava de um lado para o outro, e um pequeno quarto na Pensão Avenida junto ao Jardim Público, de onde nunca saía nem mesmo quando as  festas da cidade decorriam ali mesmo à porta.

Ao que se dizia, passeava para trás e para a frente no seu quarto da Pensão até altas horas da madrugada, como um animal enjaulado. Mantinha com os seus subordinados mais imediatos um relacionamento a rondar o surrealista. Mais do que uma vez foram vistos no seu gabinete, perfilados como soldados rasos, o próprio segundo comandante que era um Major e também o Major Castelo Branco que então comandava a escola de recrutas. A sua agressividade ameaçadora e o desprezo para com aqueles que obrigava a permanecer de pé e humildemente perfilados na frente da sua mesa, eram conhecidos por toda a Unidade Militar. Se alguém duvidasse da sanidade da mente daquele homem, o seu fim trágico, poucos anos depois, viria a confirmá-lo: suicidou-se com a própria arma. Continua ...

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