A cultura do antifascismo
…continuado.
Grande parte da imprensa da época (1975) nada tem de livre ou democrática. Não se investiga nada. Parte-se do princípio de que o réu (ver posta “Todos os Antifascistas São Bons!!”) - que nem sequer é designado como tal, mas sim como "militante antifascista" - será sempre libertado. Não se pergunta, por exemplo, como se tratou da instrução do processo de modo a que, num mês, o incómodo roubo praticado pela ARA ficasse transformado num gesto precursor do 25 de Abril. Por fim, faz-se apologia da banca nacionalizada como "banca do povo".
O controlo da imprensa por parte do PCP durante o PREC está longe de ser suficiente para explicar esta notícia, tal como não explica os factos nela referidos, nem outros, onde a convicção na superioridade moral do antifascismo permitiu que se cometessem os mais variados abusos. De facto, essa convicção existia (e existe) nos sectores mais alargados da sociedade portuguesa.
Foi a generalização dessa convicção que, por exemplo, logo em Agosto de 1974, permitiu que ninguém se interrogasse sobre factos aparentemente comezinhos como o boicote exercido por um conjunto de actores à representação da peça O Último Fado em Lisboa. Os actores, que se apresentaram como antifascistas, ocuparam a sala e o palco, impedindo que os seus colegas representassem e o público visse aquela peça, que eles consideravam uma afronta ao Portugal revolucionário que defendiam.
Foi a generalização dessa convicção que ainda hoje leva a que, apesar de fascismo e comunismo serem unanimemente considerados totalitarismos, a expressão anticomunista não tenha o mesmo valor que antifascista. Aliás, a palavra anticomunista imediatamente passou a ser acompanhada pelo adjectivo primário. Ou seja, em abstracto concede-se que se possa ser anticomunista, mas na prática aqueles que assim são apelidados logo ficam enredados num atávico primarismo. Já antifascista é uma expressão usada como uma espécie de glorioso bilhete de identidade.
Infelizmente, a chamada cultura do antifascismo está longe de se esgotar em recriações disparatadas sobre o Estado Novo, em que se diz às crianças que, até 1974, as meninas não podiam usar calças nem biquinis e que não se podia aprender a ler.
Ao restringirmos a democracia ao antifascismo, privamos a democracia daquilo que lhe é essencial: o erro. Pelo contrário, totalitarismos e autoritarismos negam que no seu seio este erro possa ocorrer.
O escândalo que agora suscitou a divulgação da destruição dos livros das bibliotecas escolares em 1975, tal como a reacção de vários políticos a propósito das investigações do caso Casa Pia - "É o fascismo de novo!" -, assim como a identificação entre autoridade e autoritarismo são bem sintomáticos de como continuamos a preferir o maniqueísmo das culturas "anti" ao exercício da democracia.
Sinopse. Texto de Helena Matos (O Público)
Grande parte da imprensa da época (1975) nada tem de livre ou democrática. Não se investiga nada. Parte-se do princípio de que o réu (ver posta “Todos os Antifascistas São Bons!!”) - que nem sequer é designado como tal, mas sim como "militante antifascista" - será sempre libertado. Não se pergunta, por exemplo, como se tratou da instrução do processo de modo a que, num mês, o incómodo roubo praticado pela ARA ficasse transformado num gesto precursor do 25 de Abril. Por fim, faz-se apologia da banca nacionalizada como "banca do povo".
O controlo da imprensa por parte do PCP durante o PREC está longe de ser suficiente para explicar esta notícia, tal como não explica os factos nela referidos, nem outros, onde a convicção na superioridade moral do antifascismo permitiu que se cometessem os mais variados abusos. De facto, essa convicção existia (e existe) nos sectores mais alargados da sociedade portuguesa.
Foi a generalização dessa convicção que, por exemplo, logo em Agosto de 1974, permitiu que ninguém se interrogasse sobre factos aparentemente comezinhos como o boicote exercido por um conjunto de actores à representação da peça O Último Fado em Lisboa. Os actores, que se apresentaram como antifascistas, ocuparam a sala e o palco, impedindo que os seus colegas representassem e o público visse aquela peça, que eles consideravam uma afronta ao Portugal revolucionário que defendiam.
Foi a generalização dessa convicção que ainda hoje leva a que, apesar de fascismo e comunismo serem unanimemente considerados totalitarismos, a expressão anticomunista não tenha o mesmo valor que antifascista. Aliás, a palavra anticomunista imediatamente passou a ser acompanhada pelo adjectivo primário. Ou seja, em abstracto concede-se que se possa ser anticomunista, mas na prática aqueles que assim são apelidados logo ficam enredados num atávico primarismo. Já antifascista é uma expressão usada como uma espécie de glorioso bilhete de identidade.
Infelizmente, a chamada cultura do antifascismo está longe de se esgotar em recriações disparatadas sobre o Estado Novo, em que se diz às crianças que, até 1974, as meninas não podiam usar calças nem biquinis e que não se podia aprender a ler.
Ao restringirmos a democracia ao antifascismo, privamos a democracia daquilo que lhe é essencial: o erro. Pelo contrário, totalitarismos e autoritarismos negam que no seu seio este erro possa ocorrer.
O escândalo que agora suscitou a divulgação da destruição dos livros das bibliotecas escolares em 1975, tal como a reacção de vários políticos a propósito das investigações do caso Casa Pia - "É o fascismo de novo!" -, assim como a identificação entre autoridade e autoritarismo são bem sintomáticos de como continuamos a preferir o maniqueísmo das culturas "anti" ao exercício da democracia.
Sinopse. Texto de Helena Matos (O Público)
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