Balada para D.Quixote

Um olhar de viajante na última carruagem do último combóio de uma Memória intemporal.

A minha foto
Nome:
Localização: Covilhã, Portugal

A generalidade daquilo que você (e eu) julgamos saber, pode estar errado, porque, em regra, assenta em «informação» com falta de rigor e imparcialidade, vinda de quem interessa formatar a nossa mente. Pense você mesmo! Eu faço-o!

4.11.06

A cultura do antifascismo

…continuado.
Grande parte da imprensa da época (1975) nada tem de livre ou democrática. Não se investiga nada. Parte-se do princípio de que o réu (ver posta “Todos os Antifascistas São Bons!!”) - que nem sequer é designado como tal, mas sim como "militante antifascista" - será sempre libertado. Não se pergunta, por exemplo, como se tratou da instrução do processo de modo a que, num mês, o incómodo roubo praticado pela ARA ficasse transformado num gesto precursor do 25 de Abril. Por fim, faz-se apologia da banca nacionalizada como "banca do povo".

O controlo da imprensa por parte do PCP durante o PREC está longe de ser suficiente para explicar esta notícia, tal como não explica os factos nela referidos, nem outros, onde a convicção na superioridade moral do antifascismo permitiu que se cometessem os mais variados abusos. De facto, essa convicção existia (e existe) nos sectores mais alargados da sociedade portuguesa.

Foi a generalização dessa convicção que, por exemplo, logo em Agosto de 1974, permitiu que ninguém se interrogasse sobre factos aparentemente comezinhos como o boicote exercido por um conjunto de actores à representação da peça O Último Fado em Lisboa. Os actores, que se apresentaram como antifascistas, ocuparam a sala e o palco, impedindo que os seus colegas representassem e o público visse aquela peça, que eles consideravam uma afronta ao Portugal revolucionário que defendiam.

Foi a generalização dessa convicção que ainda hoje leva a que, apesar de fascismo e comunismo serem unanimemente considerados totalitarismos, a expressão anticomunista não tenha o mesmo valor que antifascista. Aliás, a palavra anticomunista imediatamente passou a ser acompanhada pelo adjectivo primário. Ou seja, em abstracto concede-se que se possa ser anticomunista, mas na prática aqueles que assim são apelidados logo ficam enredados num atávico primarismo. Já antifascista é uma expressão usada como uma espécie de glorioso bilhete de identidade.

Infelizmente, a chamada cultura do antifascismo está longe de se esgotar em recriações disparatadas sobre o Estado Novo, em que se diz às crianças que, até 1974, as meninas não podiam usar calças nem biquinis e que não se podia aprender a ler.

Ao restringirmos a democracia ao antifascismo, privamos a democracia daquilo que lhe é essencial: o erro. Pelo contrário, totalitarismos e autoritarismos negam que no seu seio este erro possa ocorrer.
O escândalo que agora suscitou a divulgação da destruição dos livros das bibliotecas escolares em 1975, tal como a reacção de vários políticos a propósito das investigações do caso Casa Pia - "É o fascismo de novo!" -, assim como a identificação entre autoridade e autoritarismo são bem sintomáticos de como continuamos a preferir o maniqueísmo das culturas "anti" ao exercício da democracia.
Sinopse. Texto de Helena Matos (O Público)

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial